Campos Neto questiona se parcelado sem juros no cartão de crédito é sustentável no futuro

Parcelado do cartão de crédito é desafio para presidente do BC | Foto: Agência Senado

SO presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta terça-feira (5) que há várias distorções ao longo do sistema do parcelado sem juros, e questionou se o modelo atual de consumo é sustentável e o mais saudável para a economia do país no futuro.

Campos Neto disse que essa discussão é legítima, e a intenção do BC nunca foi prejudicar o consumo no Brasil.

“A gente nunca disse que faria algo que atrapalhasse o consumo, ao contrário, nossa preocupação é olhar para frente e dizer: olha, será que esse é o melhor sistema para amanhã? Pode ser que seja para hoje, mas será que é para amanhã?”, questionou durante entrevista organizada pelo site de notícias Jota.

Para Campos Neto, as taxas altas para antecipação de recebíveis que possibilitam os parcelamentos longos são uma das distorções do sistema. “Se você olhar as taxas que são cobradas para antecipação, elas são maiores do que a taxa de risco do emissor do cartão.”

“Ou seja, se eu vejo o consumo crescendo, se eu vejo o crédito expandindo e eu vejo que o crédito direto ao consumidor está parado, que é o parcelado com juros, e só tem o parcelado sem juros, a gente fica se perguntando: será que esse é o crescimento saudável que a gente quer ter daqui para frente?”, disse. “Será que isso é o mais sustentável?”, continuou.

Nesse cenário, Campos Neto citou uma demanda dos bancos para que o Pix tenha algumas funções que hoje funcionam no cartão de crédito, como pagamentos parcelados programáveis. Mas ele afirmou que não há nenhum plano para que o sistema de pagamento eletrônico instantâneo do BC substitua o cartão de crédito.

Em agosto, Campos Neto acendeu essa discussão quando afirmou que acabar com o rotativo do cartão de crédito -modalidade acionada automaticamente quando a fatura não é paga de forma integral- pode ser a solução para os juros altos e para a inadimplência da modalidade.

Ele também falou sobre a possibilidade de criar uma tarifa para frear o parcelamento sem juros, o que foi contestado por integrantes da equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desde outubro, o BC tem coordenado reuniões com representantes de bancos, adquirentes, cartões e varejo para discutir a regra da lei do Desenrola que limita a dívida do rotativo a 100% do valor original, caso o próprio setor não chegue a outra fórmula para reduzir as altas taxas. Atualmente, os juros dessa modalidade superam os 400% ao ano.

O texto da lei não faz nenhuma menção às compras parceladas. Bancos, no entanto, têm defendido a restrição dessa modalidade de crédito como forma de baixar as altas taxas do rotativo.

O argumento dos bancos é que o parcelado sem juros aumenta a inadimplência e força a cobrança de juros altos no rotativo. Os setores de maquininhas e o comércio, porém, refutam esse argumento, e não há estudos públicos independentes que mostrem relação de causa e efeito entre parcelamento sem juros e inadimplência.

DISCUSSÃO SOBRE MOEDA ÚNICA PERDE IMPORTÂNCIA COM DIGITALIZAÇÃO

Campos Neto também comentou, nesta terça, sobre a digitalização da economia no Brasil e no mundo.

Segundo o presidente do BC, as discussões sobre moeda única entre determinados países, ou qual moeda deve prevalecer no comércio internacional, perdem força com a digitalização das economias.

“Se a gente puder criar um sistema de conectar as moedas digitais, você vai ter transação em tempo real em todas as moedas, ou grande parte das moedas, com custo muito baixo. Então, esse argumento de moeda única, se é o dólar que vai prevalecer, ele perde muito a importância”, afirmou.

Segundo Campos Neto, esse é um tema que o BC brasileiro quer abraçar dentro do G20, do qual o Brasil acaba de assumir presidência temporária, até novembro de 2024.

SUPERAPP

Campos Neto também explicou um tema levantado recentemente por ele e que gerou polêmica: o “superapp” financeiro que substituiria os aplicativos próprios dos bancos.

“A vantagem do open finance é você poder pegar seus dados de vários lugares, colocar em um lugar e comparar um dado com o outro”, disse.

“Então, se você precisa ter um lugar onde você compara os dados, muito provavelmente, se você tem quatro contas bancárias, você não vai mais ter quatro aplicativos, você vai migrar seus dados para um aplicativo só, que a gente chama de agregador”, disse.

Sem dar muitos detalhes sobre a proposta, Campos Neto afirmou que esse “superapp” pode ser produzido por um ou vários bancos ou uma empresa que não seja uma instituição financeira, mas ele reafirmou que não fará mais sentido haver aplicativos individuais.

“A grande vantagem do processo é você ter a comparabilidade e a portabilidade.”

DESAFIOS GLOBAIS

Analisando a conjuntura macroeconômica, Campos Neto disse que 2023 foi um bom ano no Brasil, mas citou desafios globais para o próximo ano, que podem respingar aqui.

Além de uma esperada desaceleração das economias externas, ele citou o endividamento dos países desenvolvidos, fruto em parte da injeção de dinheiro nas economias durante a pandemia, e afirmou que isso demandará mais capital para os países conseguirem rolar suas dívidas.

“Tem um desafio fiscal global, não só no Brasil. E isso vai acabar fazendo com que o ano de 2024 tenha um foco muito importante no tema da liquidez. Porque se grandes países têm muito mais dívidas, com muito mais juros, vai consumir muito mais recursos, e esses recursos saem de outros lugares”, disse.

STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress

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