BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Ela é casada com uma mulher, tem dois filhos, estudou economia e administração, fez um doutorado, trabalhou no Goldman Sachs, morou seis anos na China e é fluente em mandarim. Anos depois de abandonar o conforto da iniciativa privada, surpreendeu antigos colegas de banco com um discurso raivoso na TV.
Alice Weidel tinha ido parar na política, mas não em um partido liberal ou tecnocrata, como seu currículo de executiva, a camisa e o colar de pérolas poderiam sugerir. Bradava contra o governo e a mídia em cima de um palanque inusitado, a Alternativa para Alemanha, a sigla de extrema de direita de maior sucesso no país desde a Segunda Guerra Mundial.
A classificação da legenda não é um arbítrio da imprensa, mas uma designação estabelecida por um órgão do governo alemão dedicado a proteger a Constituição. Parte de seus líderes é constantemente vigiada pela Polícia Federal; já teve integrantes presos por apologia ao nazismo, crimes de ódio e por elaborar planos de golpe de Estado; há um pedido no Parlamento, de difícil tramitação, que pede a extinção da sigla.
“Isso é coisa da esquerda, que domina o discurso público na Alemanha”, afirmou a parlamentar, em entrevista para um site conservador americano nesta semana.
Weidel, 45, está em alta nos EUA. Ganhou o maior cabo eleitoral do mundo do momento, Elon Musk. O bilionário, que empreende desde o ano passado uma ofensiva contra políticos e governos europeus de centro e centro-esquerda, receberá a candidata a premiê em um programa ao vivo nesta quinta-feira (9) em sua rede social, o X.
Musk versão jornalista fez algo parecido com Donald Trump, em agosto. Por 45 minutos, o ex-presidente americano insultou Joe Biden, repetiu seu ceticismo sobre a crise climática e afirmou que os EUA estavam prestes a serem invadidos por milhões de imigrantes. Nada disso aconteceu, mas Trump foi eleito com US$ 250 milhões doados pelo bilionário. Musk, inclusive, se tornou integrante do novo governo.
A Alemanha discute agora se o programa com Weidel não pode ser configurado como propaganda eleitoral. Na semana passada, a publicação de um artigo do empresário no jornal Die Welt, um dos mais importantes do país, já havia suscitado debate parecido. Musk escreveu que “a Alemanha se tornou muito confortável na mediocridade. É hora de mudanças ousadas, e a AfD é o único partido que abre esse caminho”.
Fez ainda uma citação a Adolf Hitler, ao lembrar que Weidel é “casada com uma mulher do Sri Lanka”. “Isso soa como Hitler para você? Por favor.”
A parlamentar vive há 20 anos com uma cineasta, Sarah Bossard, que mora na Suíça. Porém diz que não é lésbica e se posiciona contra o casamento homossexual, uma das tantas bandeiras conservadoras de sua legenda. A contradição não é muito explorada na imprensa alemã, pois se trata de sua vida pessoal.
Estudiosos do populismo afirmam que não é uma coincidência mulheres estarem à frente de legendas nacionalistas ou de extrema direita na Alemanha, na França e na Itália. Seria uma forma de naturalizar os partidos em troca de dividendos eleitorais.
Ainda que a observação possa soar sexista, é inegável que Weidel explora a contradição em seu favor. A AfD seria um partido normal por aceitá-la. Ao mesmo tempo, a parlamentar não abdica da cartilha clássica dos populistas, com muitas teorias conspiratórias e desinformação. A lista é variada e vai de manifestações de inspiração nazista a bizarrices como defender que o incêndio da Notre-Dame, em Paris, em 2019, foi obra do terrorismo anticristão.
A entrevista ao site americano não fugiu à regra. Ao comentar a situação geopolítica do país, Weidel afirmou que os alemães são “os derrotados” da Segunda Guerra e “escravos” dos EUA. Segundo analistas, a afirmação reflete uma teoria antiga, popular em um grupo chamado “amigos do Reich”, que ainda vê a Alemanha como um território ocupado.
A busca pela soberania perdida também aparece na proposta de deixar a zona do euro e reabilitar o marco alemão. A parlamentar defende uma negociação intangível com a União Europeia, que resultaria no “dexit”, a versão germânica do brexit.
Propõe ainda a “reimigração”, deportação em massa de refugiados que não encontra abrigo na legislação alemã. Para ela, interpretação equivocada, “uma tentativa de criminalizar a proposta legal de repatriar gente que não deveria estar aqui”, afirmou ao Financial Times no ano passado.
Cortar impostos, relaxar regras ambientais e reverter as políticas de transição energética também estão entre as prioridades. Weidel mira a classe média que se sente excluída de políticas percebidas como elitistas, principalmente nos estados da antiga Alemanha Oriental, e refuta caminhar para o centro do espectro político em busca de votos. Para ela, é o centro que irá para direita, como já estaria ocorrendo com a CDU, a sigla conservadora, líder das pesquisas, que a parlamentar acusa de incorporar pautas da AfD.
A receita ainda não a transforma em premiê, mas põe seu partido em segundo lugar nas pesquisas há semanas das eleições parlamentares, antecipadas para 23 de fevereiro após o fim da coalizão de governo montada por Olaf Scholz. A ver quanto a panfletagem virtual de Musk influenciará o quadro até lá.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress