SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) desta quinta-feira (26), que valida a lei de retomada do imóvel dado como garantia em financiamentos imobiliários em caso de inadimplência, foi recebida “com tranquilidade e alegria” pelo mercado imobiliário .
Segundo especialistas do setor ouvidos pela reportagem, a confirmação da constitucionalidade desse mecanismo de execução extrajudicial traz segurança jurídica para todos os agentes do mercado, especialmente aos bancos e demais credores.
Dados mais recentes do Banco Central mostram que, em agosto, cerca de 7,8 milhões de contratos ativos de financiamento habitacional no Brasil tinham o próprio imóvel como garantia do pagamento. O número representa 99% do total de imóveis com financiamento habitacional. Juridicamente, esse modelo é chamado de alienação fiduciária.
Para a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), a decisão reforça a segurança jurídica do setor e, ao mesmo tempo, garante que as ofertas de crédito de longo prazo sejam mantidas em condições mais acessíveis à população, com taxas de juros menores e prazos mais prolongados aos tomadores de crédito.
Segundo a entidade, a alienação fiduciária e seu procedimento eficiente possibilitaram várias conquistas, como a expansão da oferta de crédito para financiamento imobiliário, a redução da taxa de juros média do financiamento, o alongamento do prazo médio, o aumento do limite de crédito e, ainda, o aumento do número de imóveis comprados pela população.
Na alienação fiduciária, o credor é dono do imóvel enquanto a dívida não for paga. Quando os pagamentos são concluídos, o comprador recebe o termo de quitação e se torna o novo proprietário.
“A expectativa do mercado era muito grande em cima desse julgamento, porque, ao contrário da hipoteca, que foi perdendo a importância ao longo dos anos, a alienação fiduciária é uma garantia muito utilizada, justamente porque tem um mecanismo muito forte e eficaz de satisfação do crédito”, afirma Pedro Serpa, sócio do escritório S2GDC Advogado.
Segundo o especialista em direito imobiliário, se a lei fosse considerada inconstitucional pelo STF, os bancos teriam que procurar outra forma de garantia, que ainda não existe no mercado.
“No sentido de reconhecer a constitucionalidade do leilão extrajudicial, os votos proferidos são importantes”, diz o advogado Daniel Gomes. “O grande triunfo dessa garantia é justamente a velocidade da sua execução.”
Pelo contrato de alienação fiduciária, quando a pessoa atrasa o pagamento de três prestações, ela é considerada inadimplente. Nesse caso, o banco pode retomar o imóvel sem acionar a Justiça.
Se o devedor não quitar a dívida em até 45 dias (no caso de imóvel residencial) ou 15 dias (se for comercial), o bem pode ser leiloado. A regra está em vigor desde 1997, mas, só nesta semana, ficou definido que não fere a Constituição e não viola os princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
O julgamento tem repercussão geral, ou seja, vale para todas as ações a respeito do tema em qualquer instância de Justiça no país.
Citação A gente teve 25 anos para efetivamente ter um carimbo válido para todo mundo e o STF dizer, olha, a lei é constitucional. Os tribunais superiores às vezes demoram muito para dar esse carimbo e essa incerteza era ruim para o mercado como um todo, tanto para quem concede o crédito quanto para quem o recebe. O reflexo da decisão do STF deve ser sentido nos juros cobrados pelas instituições nos financiamentos, já que um dos principais fatores considerados no momento de definir a taxa é o risco de crédito.
“Hoje, nós só conseguimos praticar taxas de juros muitas vezes menor do que a Selic graças ao risco de crédito baixo, já que o imóvel é dado como garantia do empréstimo e a execução é facilitada”, diz Renan Lopes, sócio e educador da Smart Leilões.
“[A decisão] desencadeia desde a construção civil, que vai poder levantar mais empreendimentos, e obviamente isso vai refletir na operação bancária, que garante os empréstimos para que as pessoas possam adquirir [o imóvel].”
A decisão diz respeito apenas a imóveis financiados pelo SFI (Sistema Financeiro Imobiliário), modalidade de créditos sem subsídios destinada a quem já tem bens imóveis ou quer comprar um bem avaliado em mais de R$ 1,5 milhão.
Imóveis abaixo desse valor, entretanto, podem ser financiados pelo SFI, uma vez que esse sistema apresenta mais flexibilidade do que a modalidade subsidiada, SFH (Sistema Financeiro de Habitação).
O imóvel citado no recurso extraordinário julgado pelo STF, por exemplo, era avaliado em pouco mais de R$ 60 mil -a ação era de 2007.
ANA PAULA BRANCO / Folhapress