BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de regulamentação da reforma tributária não incluiu carnes na lista dos produtos da cesta básica nacional, que terá alíquota zero quando a reforma entrar em vigor.
O parecer foi divulgado na manhã desta quinta-feira (4). A expectativa é que o texto seja votado no plenário da Câmara na próxima semana.
A ausência de proteína animal na cesta básica é um dos temas mais polêmicos da reforma e acabou se transformando numa disputa política com as críticas de bolsonaristas à decisão do Executivo de deixar carnes fora da lista no projeto de regulamentação enviado ao Congresso.
A polêmica levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a entrar na discussão, na semana passada, ao defender uma mediação com a inclusão do frango na lista. Nesta semana, Lula defendeu imposto zero para as carnes que são consumidas pelo “povo”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ironizou Lula nas suas redes sociais ao dizer que “a picanha se transformou em pé de galinha”. A razão da crítica foi que Lula tinha defendido inicialmente uma mediação para incluir na cesta básica o frango e disse que essa era “a carne que o povo come todo dia”. “Pé de frango, pescoço de frango, peito de frango”, afirmou o petista.
Na quarta (3), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou ser contrário à inclusão da carne. Ele afirmou que essa medida representaria um impacto de 0,57% na alíquota geral e disse que isso é “um preço pesado para todos os brasileiros”.
“Não tem polêmica em relação à carne, nunca houve proteína na cesta básica, nunca houve. Se couber, a gente vai ter que ver quanto essa inclusão representa na alíquota que todo mundo vai pagar”, disse.
A pressão, no entanto, segue forte para deixar as carnes em geral com alíquota zero e parlamentares nos bastidores já dão como praticamente certa a mudança.
A decisão de não colocar nenhuma carne na lista foi da equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
A justificativa foi evitar uma alta dos dois tributos que serão criados pela reforma: IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), para estados e municípios, e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), para União.
A inclusão da carne pode elevar em 0,57 ponto percentual a alíquota média da CBS e IBS, que passaria de 26,5% para 27,1%. Mesmo fora da lista de produtos da cesta básica nacional com alíquota zero, a equipe de Haddad argumenta que as carnes terão alívio da tributação com a entrada em vigor gradual da reforma, a partir de 2026.
Lira se reuniu na quarta por mais de sete horas com os parlamentares do grupo de trabalho para fazer ajustes ao texto. À noite, os deputados participaram de reunião com o secretário Extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, para analisar as mudanças feitas ao relatório e os eventuais impactos que elas teriam na alíquota geral.
A Fazenda tem contribuído com ajustes técnicos da proposta, mas as decisões consideradas polêmicas estão sendo conduzidas por dirigentes partidários. Na noite de terça (2), Lira se reuniu com líderes e presidentes dos partidos União Brasil, PP, Republicanos, MDB, PSD e PL com exceção de Gilberto Kassab, do PSD para tratar da reforma tributária.
O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que integra o grupo de trabalho, disse que as mudanças feitas pelo colegiado à proposta colocam a alíquota média do IBS e CBS abaixo de 26,5%, o valor previsto pelo Ministério da Fazenda quando o projeto do Executivo foi enviado ao Congresso. Os deputados não disseram qual deverá ser essa nova alíquota.
“A medida que a gente conseguir reduzir a sonegação do Brasil só aí se abaixa 4% a 5% nessa taxa básica. Nós entendemos que o que foi apresentado, com as amarrações que foram feitas, vai ocasionar com que isso aconteça. A base de arrecadação vai aumentar substancialmente e é apostando nisso que a gente dá essas informações, ninguém consegue fazer conta”, disse Augusto Coutinho (Republicanos-PE).
“Eu apostaria que a nossa alíquota, com o tempo, não passará de 25%”, disse Reginaldo Lopes (PT-MG).
O deputado Claudio Cajado (PP-BA), que integra o grupo, afirmou nesta quinta que qualquer “demanda extra de sugestões, críticas construtivas e novas opiniões” serão resolvidas no plenário da Câmara.
“De agora em diante, o diálogo é com a Casa, com os deputados, presidentes de partidos, líderes e suas respectivas bancadas para que possamos na próxima semana aprovar o texto. O momento de aprovação vai depender agora do colégio de líderes com o presidente Arthur Lira.”
Cajado disse que a previsão é que seja votado o requerimento de urgência do texto na terça-feira (9).
Coutinho afirmou que houve “harmonia” entre todos os integrantes do grupo. “A gente teve, óbvio, divergências, mas a maioria sempre prevaleceu e o resultado do relatório é o resultado de todos nós.”
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) antecipou que o grupo decidiu deixar de fora da cobrança dos impostos os chamados nano empreeededores, como são chamados os vendedores que atuam de porta em porta das residências, com os vendedores de marca de cosméticos.
Ele também informou que o grupo de trabalho aperfeiçoou o sistema de funcionamento de cobrança do chamado “split payment”. Rocha chamou a mudança de “split payment inteligente”, que vai funcionar para não impactar o fluxo de caixa das empresas. “É uma virada de chave na economia brasileira”.
“O texto é bom, mas nós temos uma semana ainda para melhorá-lo”, disse o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA).
Os deputados mantiveram no relatório as porcentagens que foram definidas para o cashback, mecanismo que prevê a devolução de impostos para a população de baixa renda, no texto original enviado pelo governo.
O projeto prevê cashback de 100% da CBS e 20% do IBS para aquisição de botijão de gás (13 kg), e de 50% da CBS e 20% do IBS para as contas de luz, de água e esgoto e de gás encanado. Para os demais produtos, a devolução será de 20% da CBS e do IBS.
O PT do presidente Lula (PT) levou ao grupo de trabalho a demanda para garantir 100% do cashback do imposto que incide nas contas de luz, água e gás encanado pleito que não foi atendido até agora.
Reginaldo Lopes disse que apesar de os membros do grupo concordarem com essa ampliação do mecanismo, a decisão final caberá ao colégio de líderes. “Já fizemos o cálculo com o Ministério da Fazenda e o impacto é muito baixo 0,05% na alíquota. E compreendemos que é muito justo.”
VICTORIA AZEVEDO, ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress