SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um veículo com cinco embalagens de materiais radioativos foi furtado na madrugada última segunda-feira (1º), na zona leste da cidade de São Paulo. Parte das embalagens foi encontrada na tarde desta sexta (5) em um ferro-velho na mesma região.
Segundo a Polícia Civil, uma caminhonete que armazenava o material foi levada quando estava estacionada na rua Félix Bernadelli, que fica no bairro Iguatemi. O carro pertence a uma empresa de equipamentos médicos, que havia coletado os produtos no Rio de Janeiro e iria transportá-los aos estados do Paraná e a Santa Catarina.
Segundo a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), que fiscaliza o uso de materiais nucleares e radioativos no país, os produtos estão protegidos por embalagens de chumbo que evitam o vazamento de radiação, “no entanto, a manipulação inadequada pode vir a causar danos à saúde”.
Havia cinco embalagens com produtos radioativos na caminhonete. Segundo o diretor de Radioproteção e Segurança Nuclear da Cnen, Alessandro Facure, os produtos de quatro embalagens já haviam sido utilizados pelos hospitais e estavam sendo devolvidos o fabricante -o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), vinculado à USP.
Apenas um dos invólucros tinha material radioativo. Nessa embalagem havia uma “coluna de germânio-68”, entre outros produtos, que seria levada a uma clínica de medicina nuclear, segundo Facure. A meia-vida desse material é de 288 dias, o equivalente cerca de nove meses e duas semanas -ou seja, o germânio-68 perde metade de sua radioatividade nesse período.
“O dispositivo, por si só, não representa risco. O risco existe se ele for violado e alguém entrar em contato direto com essa coluna contendo esse material”, disse Facure, em um vídeo sobre o caso divulgado pelo Cnen. Não há risco de morte caso o material seja manipulado, segundo o diretor, mas o contato com o germânio-68 é prejudicial à saúde.
Ele afirmou também que “não é esperada nenhuma grande dispersão no meio ambiente, muito menos efeitos severos para a saúde de quem os manipule, pela sua baixa atividade”.
A Polícia Civil encontrou duas das cinco embalagens em um desmanche de carros em Cidade Tiradentes, na zona leste -uma ainda lacrada e outra aberta. O Cnen e o delegado titular do 49º Distrito Policial, Evandro Lemos, confirmaram que a lata lacrada era aquela que ainda estava cheia com o produto radioativo.
“Nós vamos analisar as imagens do furto, porque há câmera nas proximidades, e por meio dos vestígios papilares [impressões digitais], a gente quer identificar as pessoas que praticaram o furto”, disse Lemos à Folha. Ele afirmou que a demora entre o sumiço do veículo e a localização dos produtos ocorreu porque as vítimas não deixaram claro, ao registrar a ocorrência, que havia produtos radioativos na caminhonete.
Segundo o diretor do Cnen, o furto ocorreu após uma quebra de protocolo de segurança por um motorista da empresa que transportava o material. O procedimento padrão é que todos os carros que transportam material radioativo sejam mantidos em local protegido e monitorado.
“Em vez de deixar o carro em local apropriado, constantemente monitorado, [o motorista] resolveu ir com o veículo até sua casa e, quando se deu conta, percebeu que o veículo havia sido então furtado”, disse Facure. Ele diz que o veículo contava com sistema de rastreamento por GPS, mas o dispositivo foi removido pelos ladrões do carro.
O Cnen pediu à população que entre em contato imediatamente caso encontre as embalagens.
Fotos divulgadas pela comissão mostram que se tratava de substâncias de uso hospitalar. Um dos produtos é o Gerador Ipen-Tec, que produz uma substância usada em exames de imagem na glândula tireoide e nas glândulas salivares, por exemplo.
Outro, como se pode ver nas imagens divulgadas pela comissão, é um tricloreto de gálio, radiofármaco usado em tomografias de emissão de pósitrons (exame conhecido também como PET). Há outra embalagem que, segundo a inscrição, contém molibdênio-99 e tecnécio-99m, produtos usados na medicina nuclear para o diagnóstico de diversas doenças, como câncer, obstruções renais e demências, segundo o Ipen.
A maior parte das embalagens contém avisos de que os produtos são de uso restrito a hospitais. Fotos mostram que há produtos da fabricante RPH Radiofarmácia Centralizada, uma das maiores fabricantes de produtos desse tipo no Brasil.
A reportagem entrou em contato com a RPH por telefone e e-mail, mas não teve resposta. O Ipen informou que as informações sobre o caso serão fornecidas apenas pela Cnen.
“Diligências estão em andamento para recuperar o material e o veículo furtados e identificar o autor do crime”, informou a SSP (Secretaria de Segurança Pública).
PAÍS JÁ TEVE INCIDENTE QUE DEIXOU 4 MORTOS E CENTENAS DE CONTAMINADOS
O maior acidente radiológico do Brasil deixou quatro mortos, ao menos 16 pessoas com lesões corporais e mais de 200 contaminadas, em Goiânia (GO). Em setembro de 1987, dois catadores de papel encontraram uma cápsula de césio-137 m um terreno de propriedade do Instituto Goiano de Radiologia (IGR), sem saber que o material era radioativo.
A peça foi rompida a marretadas e vendida a um ferro velho. Só duas semanas depois se descobriu a natureza do material. Assim como o material que estava no veículo furtado nesta segunda-feira, a cápsula fazia parte de um aparelho de radioterapia.
No ano passado, duas fontes radioativas de césio-137 desapareceram em Minas Gerais. Elas foram encontradas cerca de dez dias depois numa empresa de sucatas em São Paulo.
TULIO KRUSE / Folhapress