Carros com paredões de som protagonizam as campanhas eleitorais no interior

PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A rua abarrotada de gente que vai, vestindo uma cor só, caminhando apressada ou até correndo em ritmo animado. Mãos e braços balançando de lá para cá, adereços que não fogem ao tom da maioria, bandeirinhas, e o povo pulando ao som de músicas alegres que se escutam a quilômetros de distância.

A descrição faz pensar em bloco de Carnaval, micareta, mas o evento tem outro nome —arrastão de eleição. Uma prática que, graças a potentes veículos sonorizados conhecidos como paredões, tem se propagado no interior do Brasil nos últimos anos em época de campanha eleitoral.

“Eleição é um momento muito bom, é quando podemos dizer que somos valorizados, é quando o paredão é o carro-chefe, porque você coloca um paredão para tocar músicas e o paredão vira um atrativo do evento,” afirma Lillyan Candido, empresária de Caruaru, em Pernambuco, que, junto do marido, comanda o Paredão da Uva —o nome vem da atividade do casal no ramo de hortifruti. “É como se fosse um show, e todo mundo vai dançando atrás do paredão.”

O Paredão da Uva é uma estrutura que, tal uma parede móvel, vai rebocada a um cavalo mecânico —a parte frontal de um caminhão. Esse muro de som tem mais de cerca de seis metros de altura e conta com mais de 50 alto-falantes, além de luminosos e baterias.

Durante um arrastão de campanha política, o paredão cruza as principais vias da cidade puxando uma caminhada de centenas de eleitores uniformizados com as cores do partido. Candidatos a vereador optam por paredões menores, candidatos a prefeito até disputam espaço na agenda de paredões como o Uva.

“Aqui em Pernambuco a gente roda tudo: Santa Cruz do Capibaribe, Brejo da Mata de Deus, Agrestina, Palmares, Joaquim Nabuco, já tivemos busca de Piauí, Maranhão, Bahia, mas a gente avisa aos candidatos sobre a questão da distância, porque todo dia a gente está em uma cidade diferente,” afirma Candido.

Ela diz que faz seu trabalho sem ver a quem. Leva o paredão para o arrastão o político que agendar a data. “Eu sempre deixo claro aos candidatos que não temos partido e para mim é satisfatório botar o paredão para tocar tanto para um lado quanto para o outro.”

Um arrastão dura em média seis horas, entre concentração, caminhada e dispersão. O trabalho de Candido começa cedo. “Chegamos bem antes na cidade, preparamos iluminação, pego o pen drive com as músicas que vamos tocar, fazemos o alinhamento do som”, isto é, o ajuste fino dos alto-falantes para conseguir a melhor qualidade de áudio.

A prestação pode ser dobrada se a cidade não decidir logo de primeira quem assume a cadeira da prefeitura. “Aqui em Caruaru vai ter segundo turno, então ainda tem aquela beliscadinha de quinze dias”, acrescenta a empresária.

O valor do serviço varia segundo o tamanho do paredão, a distância percorrida no traslado de uma cidade a outra e a necessidade de hospedagem para a equipe. No caso do Paredão Uva, o time é formado por três funcionários além do casal Candido —Sergio, marido de Lillyan, é quem dirige a máquina.

“Eu cuido do som”, diz a dona do Paredão da Uva. “Temos RT, Resolução Técnica que explica o funcionamento do paredão, pagamos taxas de bombeiros. É tudo organizado. Há quatro anos, a gente estava tocando em uma cidade, e denunciaram nosso paredão por conta de rivalidade política, aí ele foi apreendido porque faltavam documentos.”

Proprietário da Carreta Exibida, um dos maiores paredões do Brasil, Atila Campos também mantém em dia a documentação e a manutenção do seu sistema de som mastodôntico. São mais de 300 alto-falantes e um aparato rebuscado de alimentação de energia elétrica, somando quase meio milhão de reais de estrutura.

Em época de eleições, os serviços da Carreta Exibida saem por no mínimo R$ 5 mil. “É como uma escola de samba”, conta Campos. “Ela tem que botar um carro alegórico bonito e grande na avenida, mas isso não quer dizer que ela vai ser a campeã.”

Também como escolas de samba, a sonorização automotiva é uma tradição antiga no país. Em acervos de jornais é possível encontrar registros de “buzinas musicais” que datam do início do século 20.

“Antigamente tinha muito carro de som, era a rural com uma caixa de som em cima que também era usada nos eventos políticos”, afirma Campos, empresário do ramo têxtil também baseado em Caruaru. “Depois foram passando para os showmícios, com cantores. O paredão surgiu por volta de 2005 e 2006, e ganhou mais força na campanha depois que acabaram os showmícios.”

Comícios com apresentações de artistas de música são proibidos no Brasil desde 2006. À época, o então ministro do Tribunal Superior Eleitoral, José Gerardo Grossi, foi voto vencido contra a proibição. “Assim estamos tornando as eleições excessivamente cinzentas”, disse o magistrado.

O veto pôs fim a uma prática que transformava atos políticos em shows gratuitos, tardes e noites que rompiam a calmaria das praças e ruas principais de pequenas cidades brasileiras. Atualmente, a lei eleitoral permite que trios elétricos e carros de som sejam utilizados durante caminhadas, carreatas e comícios.

“Seja o som pequeno ou carretas, o som automotivo é autônomo, móvel e muito prático —ele chega e em meia hora está tudo pronto para tocar, e se você monta um palco é algo que está ali fixo, tem uma limitação, requer mais trabalho”, conta Renan Lopes, especialista em áudio e elétrica e uma sumidade quando o assunto é som automotivo no Brasil.

Para ele, o paredão também desempenha uma função de chamariz na campanha. “O som automotivo é a atração do evento, as pessoas vão ao evento para ver o paredão, por isso temos um mercado que fica aquecido antes das eleições, durante o mês de setembro.”

A economia do paredão também toca artistas que, impedidos de se apresentar em comícios, lançam músicas feitas especialmente para a ocasião. A Banda Lambasaia, por exemplo, ganhou o topo das paradas nas eleições de 2022 com “Acabou”, um lambadão cuja letra repete à exaustão seu título e que voltou a tocar nos arrastões de 2024.

Músico e empresário da banda Chica Baiana, Eivinho Phaphirô teve a ideia de preparar um álbum inteiramente dedicado às eleições, tão logo acabou o Carnaval. “Entrei em contato com alguns compositores e eles me enviaram algumas músicas, foi bem rápido”, ele diz.

No CD “Músicas pra Política 2024”, o vocalista Marinho canta canções como “Meu Prefeito Estourado”, “Nós Venceremos” e “Vereador Mentiroso”. A levada é parecida com a do Chiclete com Banana e as letras são genéricas, não fazem referência a um ou outro nome. “Acredito que o pessoal gosta dessas músicas na campanha porque é um ritmo eletrizante, né? O pessoal gosta de pular”, diz Phaphirô.

Época de eleição também é a hora em que os próprios donos de paredão fazem política. A legislação sobre som automotivo é um complexo emaranhado no Brasil, onde leis municipais, estaduais e federais não dão conta de um fenômeno cada vez mais popular.

“Onde a gente chega, as pessoas conhecem o Paredão da Uva, sabem que a gente veste a camisa”, diz Candido. “Mas é só nesse momento de política quando dizem que precisam de paredão, quando dão o valor ao paredão. Fora isso, nos olham como marginais, moleques.”

FELIPE MAIA / Folhapress

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