SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando João Victor Petrocelli, 23, conhecido como Johnny, pediu Lucas Pereira Bezerra, 29, em namoro, sabia que em algum momento a relação seria aberta para que ambos pudessem conhecer outras pessoas. Juntos há cinco anos, os dois estabelecem regras, que mudam com frequência, a depender de como flui o relacionamento -e nada é segredo.
O processo relatado pelo casal é comum em relacionamentos abertos de diferentes gerações. Acordos, limites e regras se tornaram parte essencial para os envolvidos, que veem os combinados como uma forma de alinhar expectativas e promover responsabilidade.
A ideia de um namoro aberto partiu de Lucas. Ele já havia vivenciado uma relação do tipo, e, desde então, se coloca como não monogâmico.
No começo, o relacionamento era fechado. “Achamos que seria melhor para entender o que cada um gosta, e depois abrimos aos poucos”, diz Lucas. Depois, beijos em terceiros foram permitidos. O passo seguinte se resumiu em experiências do casal com pessoas de fora do relacionamento. E, hoje, os encontros sexuais individuais já são parte do combinado.
“Com o tempo a gente foi começando a se interessar por pessoas diferentes”, afirma Johnny.
Mas nem sempre os dois encararam numa boa o envolvimento do parceiro com outros. O ciúme às vezes dá as caras. Enquanto Johnny tenta entender as raízes das próprias inseguranças, Lucas encara o sentimento como um reflexo da sociedade. “É algo que a gente sempre vá sentir, então não nos condenamos por sentir ciúmes na relação”, diz ele.
Para Antonio Pilão, pesquisador da não monogamia há mais de dez anos e antropólogo pela FFLCH/USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), existe um universo de possibilidades para este modelo de relacionamento, o que não indica que o acordo será sempre um “pote de ouro”. “O que mais acontece é a frustração”, diz.
E, nesse processo, muita gente desiste.
“As pessoas entendem que o buraco é mais embaixo e precisam lidar com o ciúme, com a hierarquização das relações”, afirma o pesquisador.
Alex (nome fictício), 56, e Márcia (nome fictício), 50, são um desses casais que decidiram que é assim que gostam de viver, e há 12 anos mantêm um casamento aberto.
Esse é o segundo matrimônio dele e o terceiro, e mais longo, dela. Todos os relacionamentos anteriores do casal foram monogâmicos. “Este é o primeiro honestamente aberto, em todos os outros houve traição”, diz ela. Alex, em seu casamento anterior, chegou a ter uma amante. “Hoje entendi em mim essa capacidade de estar em duas relações sem desprezar uma em razão da outra”, explica ele.
Quando oficializaram o namoro, tinham certeza de que não queriam deixar de ver outras pessoas. Então, esse acordo foi firmado. E, com o tempo, outros surgiram.
O principal combinado atualmente é não levar ninguém para a casa da família, onde um dos filhos de Márcia vive. “Essa a gente não abre mão, até porque a casa tem a sua rotina”, diz Alex.
A comunicação é fluida e, segundo eles, a maturidade ajuda. Mas isso não impede que surjam pequenos atritos, como crises de ciúmes. A solução é a mesma adotada pelo casal mais novo: sentar e conversar. “A gente tinha muito hábito de mentirinhas, então tivemos crises por conta disso. Apesar de estarmos em uma relação aberta, tinha coisa que mentíamos”, relata Márcia.
Um relacionamento discreto é fundamental para eles. Alex trabalha em um ambiente que considera conservador, o que afirma ser um empecilho para que ele fale abertamente do tipo de relação que cultivam.
A discussão sobre relacionamentos não exclusivos é relativamente nova, segundo Pilão. “A não monogamia é um fenômeno recente, porque há algumas décadas as pessoas eram socializadas num período em que a reflexão sobre o assunto era vista como algo marginal”, diz.
Para o pesquisador, o questionamento do modelo monogâmico ocorre quando há frustração, pela ação de terceiros, por exemplo, ou pela vontade de aprofundar elos amorosos. Então, para ele, um adolescente que mal iniciou a vida amorosa, não vai pensar na pós-monogamia.
Márcia demorou para contar detalhes do tipo de relação que vivia para o filho mais novo. “A minha filha sabe desde a época em que eu trabalhava com produtos eróticos, conversei bastante com ela. Meu filho descobriu há pouco tempo”, relata.
Já os filhos de Alex sabem que o pai vive um casamento aberto, e a mais velha até se identifica como não monogâmica.
Apesar de o casal deixar claro para os afetos (como chamam aqueles com que se relacionam) que vivem uma relação que não é exclusiva e que nem sempre terão disponibilidade, sentem julgamentos, principalmente em redes sociais e aplicativos de namoro.
“Algumas mulheres me chamavam de sem-vergonha, diziam que era uma falta de respeito o que eu fazia com a minha esposa”, diz ele.
ANDREZA DE OLIVEIRA / Folhapress