Casal acusa maternidade Santa Joana de negligência e fraude após morte de gêmeo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS(S) Um casal que perdeu um dos seus gêmeos aos dois dias de vida acusa o Hospital Santa Joana, uma das principais maternidades de São Paulo, de negligência seguida de fraude para acobertar o suposto erro médico.

O Ministério Público de São Paulo entrou no caso após o delegado de polícia Victor Melo da Silva, 36, acioná-lo. Ele é pai de Davi, que morreu na madrugada do dia 3 de julho, na UTI do hospital. O recém-nascido, segundo ele, teria “asfixiado por broncoaspiração do próprio vômito”, após beber leite, e não teve “a devida assistência” da equipe de plantão.

Ainda segundo Silva, o delito “foi acobertado pela maternidade mediante a fraude de prontuários”, e as médicas responsáveis pelo atendimento forjaram uma causa mortis falsa em documentos que atestaram o óbito.

Em nota, o Santa Joana diz que, “por questão de sigilo médico, esclarece que não pode compartilhar mais detalhes sobre o caso”. Mas destaca que a instituição “não detectou qualquer descumprimento de protocolos assistenciais e reitera que está à disposição das autoridades competentes para apuração cabal dos fatos”.

O policial civil diz que duas médicas o informaram que seu filho havia sofrido morte súbita –uma parada cardíaca provocada por alguma patologia no coração. Exames feitos no período neonatal, inclusive um ecocardiograma fetal realizado na própria maternidade, não detectaram qualquer falha no órgão, de acordo com o pai.

A otorrinolaringologista Marilia Gabriela Panontin, 34, teria desconfiado das justificativas dadas para a morte do filho. Afirma que, quando a levaram ao encontro do recém-nascido, ele “já estava com a pele bem pálida, arroxeada e com o corpo frio”, então não tinha acabado de morrer, como lhe haviam dito.

Panontin conta que pediu para ver folhas do quadro clínico do filho, e nelas leu uma descrição de “engasgo” e anotações contraditórias nos horários de controle.

“Afinal, se meu filho havia entrado em parada cardíaca às 2h, como poderia haver anotações de que, neste mesmo horário, ele estava com todos os sinais vitais normais?”

O relato apresentado ao Ministério Público traz em anexo cópias de documentos atribuídos ao Santa Joana.

O casal desconfia que Davi não estava sendo supervisionado na UTI neonatal, daí a demora para perceber que ele se engasgara em leite regurgitado.

A gravidez foi planejada, conta a mãe. Aconteceu por meio de fertilização in vitro. Os pais dizem que, como é comum nesse procedimento, os embriões passaram por uma biópsia prévia. O laudo apontou que o material era viável e saudável, sem síndromes congênitas.

O enxoval de Davi e Lara foi feito na Disney, e a dupla nasceu após 35 semanas de gestação. Uma gravidez completa gira em torno de 37 e 42 semanas, então eles eram tecnicamente prematuros, e por isso foram levados à UTI, para serem monitorados e ganharem peso. Davi chegou com 1,8 kg, e Lara, 2,1 kg.

Segundo os pais, os boletins médicos até a madrugada do dia 3 relatavam que tudo ia bem com os gêmeos. Chegaram a pegar os filhos no colo e tirar foto com eles.

Silva diz que, a princípio, as médicas responsáveis pelo caso tentaram o convencer de que sua mulher estava com a “sanidade bastante comprometida” por conta da perda e do puerpério, e por isso insistia numa versão fantasiosa de que Davi morrera depois de engasgar. O papel da família, portanto, seria acalmá-la.

Também acusa a equipe hospitalar de induzir parentes encarregados de trâmites burocráticos ao erro para que o corpo do recém-nascido fosse cremado, o que prejudicou uma investigação mais minuciosa sobre as razões do óbito. O corpo não foi encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal). Legislação federal diz que, em caso de “morte violenta”, a cremação precisa ser autorizada por ordem judicial, o que não ocorreu.

Panontin escreveu um texto sobre a morte do filho. Nele, pede perdão por ter confiado em pessoas erradas e promete ir atrás de justiça.

“Infelizmente, não posso voltar atrás no tempo e te proteger daqueles que deveriam ter te protegido. Porém, prometo fazer de tudo para honrar a sua memória e não deixar que os responsáveis pela sua morte continuem a tentar silenciar a voz de uma mãe que ainda sente (e nunca esquecerá) a grande dor da perda de um filho.”

A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública) acompanha o caso e, à reportagem, diz que “foram encaminhados ofício de pedido de informação e vistoria na UTI ao Cremesp e ao Coren, os conselhos regionais de medicina e de enfermagem em São Paulo”.

A maternidade, em nota enviada ao jornal, diz que é uma “instituição séria e há mais de 75 anos se dedica à saúde materna e do neonato”, e reitera que não encontrou falhas no protocolo assistencial.

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress

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