Casal de mulheres relata preconceito em escola em São Vicente, litoral de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um casal de mulheres que são mães de uma criança de 13 anos relata ter sofrido preconceito em uma escola pública estadual em São Vicente, litoral de São Paulo. Elas afirmam que, em uma dinâmica em homenagem ao Dia das Mães, a professora considerou que apenas uma das mães seria a mãe do aluno.

Gabriela Labella, 28, conta que sentiu sua maternidade invisibilizada. Ela é casada com Bruna Labella, há sete anos, e, há dois, elas adotaram o filho.

“Ele foi adotado legalmente pelas duas, tem o nome das duas em sua certidão de nascimento, as duas constam como mães”, afirma.

Labella conta que seria a primeira homenagem de Dia das Mães que elas iriam na escola e a primeira também do filho, já que ele nunca tinha ido antes com sua mãe biológica. Ela também relata que, “por mais que a gente ache esse tipo de festa ultrapassado, a gente está sempre muito aberta a estar no ambiente escolar no geral. E ele estava muito animado e queria muito que fôssemos as duas”, diz.

Segundo conta, elas estavam receosas do que poderia acontecer, mas anteriormente o casal sempre tinha sido muito bem recebido na escola. “Ao matricular, a gente explicou toda a situação.”

“Quando chegamos lá na festa, fomos bem recebidas, a diretora estava na porta e falou ‘leve suas mães para a sala de aula’. Umas alunas estavam pegando os nomes das mães para um sorteio e elas agiram normalmente, perguntaram o nome de cada uma. Quando chegamos na sala de aula, já sentimos um estranhamento com essa professora. Sentimos que ela pudesse ter estranhado estarem as duas ali. Porém, meu filho havia avisado que iriam as duas mães dele”.

Depois, já durante a celebração, houve uma dinâmica em que a professora entregava “um papel para cada mãe, não para cada aluno, para cada mãe”, ressalta. No papel tinha uma frase escrita e, posteriormente, os alunos iam na frente da sala para falar a frase olhando para cada mãe.

A professora “foi entregando um papel para cada mãe, não pulou nenhuma mãe. Quando chegou a gente, ela entregou o papel para minha esposa, me pulou e não ia entregar para mim. E aí eu estendi a mão para pegar. E ela falou: ‘você vai pegar também?’ Na hora eu fiquei sem entender o que estava acontecendo, eu falei ‘sim'”, diz.

O filho delas havia preparado uma poesia para ler na sala e, ao final da festa, ele comentou que pensava que a professora não deixaria que ele lesse o poema, já que, até aquele momento, ela não havia falado nada sobre o assunto. “Foi uma iniciativa dele. Eu falei: ‘mas acho que dá para ler, vai lá, pergunta para ela se você pode ler'”, explica.

Foi quando ele voltou decepcionado, ainda segundo o relato da mãe, e disse que a professora “‘falou para eu ler depois que todas as mães saírem da sala’. E aí, nesse momento, para mim, ficou muito claro que ela estava tentando fazer com que as outras mães não percebessem que os filhos delas conviviam com uma criança que é criada por duas mulheres”.

Labella pediu para que o filho insistisse na leitura do poema e a professora deixou. A mãe conta que “a sensação não foi de um preconceito escancarado, mas de invisibilidade, como se ele só tivesse uma mãe, como se eu não fosse mãe dele. A partir do momento que é uma festa de Dia das Mães, a gente quer ser homenageada também. Meu filho também queria fazer a homenagem para as duas mães, não apenas para uma, senão só iria uma”.

Ela conta que enviou um e-mail para a escola, que retornou, segundo Labella, afirmando que a professora não teve a intenção de preferir nenhuma das mães, que ela escolheu de forma automática para qual mãe ela daria o papel. “O que me deixa claro é que ela iria dar apenas para uma. Em nenhum momento passou pela cabeça dela que as duas são mães, então as duas poderiam participar da dinâmica”, lamenta.

À Folha, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) disse “lamentar o ocorrido”. “É compromisso da pasta o fomento diário de questões relacionadas à identidade, racismo, preconceito, sexualidade, entre outros temas centrais da sociedade, dentro da rede estadual”.

A pasta ainda declarou que “quanto à dinâmica em questão, cada aluno recebia uma comanda com um adjetivo que deveria atribuir a sua responsável, livremente. As comandas foram distribuídas de forma aleatória, sem qualquer intenção de excluir ou privilegiar ninguém. Na ocasião, a gestão escolar recebeu uma das mães em 14 de maio, para esclarecimentos. Uma nova reunião foi agendada para 21 de maio, com a outra mãe, que não pôde comparecer. A escola está à disposição para marcar uma nova data”.

Para Paula Licursi Prates, psicóloga do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, qualquer tipo de discriminação e preconceito faz mal, para todos os envolvidos. “O que chama a atenção é que, em 2024, mesmo sendo uma escola pública, existe formação. Eu sei porque já atendi coordenações pedagógicas da educação pública. Essa situação não pode acontecer”, diz.

Segundo a pasta, será reforçado na escola o Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva SP) com o objetivo de estimular o debate sobre a temática de diversidade. O projeto tem ações “de convivência e colaboração, articulação pedagógica e psicossocial, proteção e saúde, e segurança escolar, que propõem que toda escola seja um ambiente de aprendizagem solidário e acolhedor, além de fomentar a promoção da cultura de paz e respeito ao próximo”.

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JULIANA MATIAS / Folhapress

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