Casarão do século 18 é restaurado para abrigar museu sobre Mariana

MARIANA, MG (FOLHAPRESS) – “Não é por nada, mas a minha casa é a mais bonita de Mariana”, diz Francisco Cândido da Silva, 85, ao ser pego de surpresa devaneando, apoiado no batente vermelho das janelas, enquanto observava a festança que subia a rua João Pinheiro.

Em frente a sua casa branca de janelas coloridas, estão a Igreja São Francisco de Assis e a Casa do Conde de Assumar, ambas construções do século 18 que reabriram as portas para os moradores de Mariana, no interior de Minas Gerais, na última sexta-feira (29).

Silva acompanhou a degradação das antigas construções desde a infância, quando chegou à cidade junto de mais 11 irmãos, dos quais só sobreviveram ele e mais três mulheres.

“Antes, aqui estava largado. Só não pegou fogo porque Deus não quis”, diz, referindo-se à Casa do Conde de Assumar, imóvel pertencente à arquidiocese de Mariana, para a qual ele trabalhou junto aos padres franciscanos. “Era uma marcenaria, tinha muita serragem.”

O conde de Assumar, dom Pedro de Almeida e Portugal, governou as capitanias de São Paulo e Minas Gerais entre 1717 e 1720, mas não há consenso, entre os historiadores, de se ele viveu mesmo no casarão tombado em 1938.

Na boca do povo, sua passagem é certa: para Silva, o conde segue no local, três séculos depois, pelas ruas de pedra, entre becos de casinhas coloniais. “Ele mandava matar mulheres e crianças e, em um ato de maior crueldade, mandou arrastar um homem de Mariana até Vila Rica [hoje Ouro Preto]”, diz o morador, arregalando os olhos.

Agora, o casarão se tornou o Museu de Mariana, por meio da Lei de Incentivo à Cultura em parceria com o BNDES e o Instituto Cultural Vale. A Igreja São Francisco de Assis também foi reaberta após passar por reformas desde 2013.

Devido à condição precária em que se encontrava o casarão que abrigaria o museu, foi necessário prosseguir com uma escavação de 50 centímetros para reconstruir os alicerces da estrutura, conta Benjamin Saviane, arquiteto coordenador do projeto.

Durante os trabalhos, foram encontradas peças deixadas por gerações de moradores, a maioria dos séculos 19 e 20, e que agora integram a exposição permanente dedicada à história de Mariana, apresentada como a primeira cidade e capital de Minas Gerais —e também herdeira das mazelas que o título carrega, ligadas à intensa extração de ouro e minérios levados a Portugal. Um pelourinho, localizado em frente à igreja recém aberta, relembra os detalhes da história.

O espaço já foi moradia de dom frei Manuel da Cruz que, em 1747, deixou a catedral de São Luis do Maranhão para atravessar o país a pé e de cavalo, em uma viagem que durou um ano, para condecorar primeira diocese de Minas, em Mariana. Quando chegou, foi recebido com ruas decoradas e uma população em festa.

Agora, com a reabertura do casarão e da igreja, outra festa ocupou a rua João Pinheiro. Como num Carnaval, uma multidão passou dançando e batucando, algumas dando vida a bonecos enormes representando personagens da cultura local.

Em frente ao altar dourado da igreja franciscana, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, afirmou que a abertura do Museu está inserida no plano da pasta de aumentar os incentivos culturais pelo país. “Não estamos regionalizando, estamos nacionalizando o fomento”, disse.

A ministra também afirma esperar que as prefeituras da região, incluindo aquelas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco em 2014, enviem propostas para participar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado em agosto, que destinará R$1,3 bilhão para ações do MinC.

Na plateia, estava Maria Clara, de 70 anos. Há 50, ela começou a trabalhar como retratista na cidade, e hoje tem uma foto sua no piso térreo do museu —dedicado a representar os moradores locais.

Dona de uma óptica no centro, ela conta que costuma encontrar pessoas de 40 anos que ainda guardam sua primeira foto tirada por ela, ainda na infância, já que a condição econômica de muitas famílias não permitia fotos de seus membros.

“Mariana mudou muito. Hoje eu não conheço a maioria das pessoas, e muita gente vai embora. Às vezes eu fico sentada na praça, olhando”, diz.

Ela se orgulha de conhecer muitas histórias, mas sua favorita é a de José Andorinha, homem franzino que ganhava o sustento fazendo mudanças na cidade. O detalhe, porém, era que ele carregava os móveis nas costas, desde pesados armários de madeira maciça até máquinas de costura de ferro.

“Um dia eu, com sete anos, perguntei como ele conseguia. Ele riu, colocou a mão em minha cabeça e disse para eu olhar para cima. Ele tinha anjos ajudando”. Maria Clara não viu os anjos, mas bastou a fé.

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A jornalista viajou a convite do Instituto Pedra.

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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