Casarões com piscinas contrastam com desolação de mata reduzida a cinzas no interior de SP

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Avistada a partir de uma colina onde sitiantes criam gado e plantam tubérculos, a mancha cinza formada por quilômetros de árvores e arbustos queimados termina a poucos metros de casarões e piscinas azuis do condomínio de chácaras Parque Itaipu, em São Carlos (SP).

Distante 231 km da capital paulista, a cidade testemunhou o fogo chegar perto de áreas habitadas e ficou à beira de uma tragédia humana.

Florestas e plantações em chamas ameaçaram importantes estruturas urbanas, como o aeroporto Mário Pereira Lopes. Voos chegaram a ser suspensos por um dia quando o fogo chegou perto da cabeceira da pista e não muito longe dos tanques de combustível.

Na escala de preocupações com as queimadas, São Carlos deu um passo além se comparada com outros municípios afetados pela série de incêndios que atinge o estado de São Paulo desde agosto. Na maioria deles, as áreas incineradas são pastagens, canaviais e outras grandes propriedades rurais em territórios pouco povoados.

Com mercado imobiliário inflacionado pela presença de estudantes universitários que aumentam a população local em quase 25%, a expansão da ocupação do solo são-carlense tem característica periurbana. As áreas de transição entre o rural e o urbano, em muitos casos, ficaram na fronteira dos incêndios que consumiram 7.000 hectares do município.

Ante à crise climática, a possibilidade de secas severas exige estruturação de um sistema de proteção e defesa com milhares de voluntários treinados. Algo semelhante ao existente em países acostumados a incêndios florestais, como Chile e Estados Unidos, afirma Pedro Caballero, diretor da Defesa Civil de São Carlos.

“Nós não temos essa cultura no Brasil”, diz ele, que é pesquisador na área de combate a catástrofes.

Antes de chegar ao condomínio, o fogo levou cerca de oito dias para percorrer os cerca de 3 km de mata a partir do ponto em que possivelmente foi iniciado, às margens da rodovia Washington Luís (SP-310), segundo a Defesa Civil municipal.

No meio do caminho entre a estrada e as casas de alto padrão, pequenas propriedades rurais foram parcialmente queimadas. Sitiantes dizem que a ajuda demorou e, quando chegou, estava aquém do necessário. Reclamam que aeronaves deveriam ter iniciado o combate com uma semana de antecedência.

Sob comando do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Defesa Civil estadual afirma que o socorro foi rápido. O órgão diz ter sido notificado sobre o foco em 7 de setembro e o apagou, mas houve reignição. Um avião e um helicóptero passaram então a dispensar água sobre o fogo.

Depois de passar duas noites vigiando e apagando focos de incêndio para salvar o pasto com 80 vacas, Terezinha Marconi, 59, está ressentida.

“Ficamos sozinhos, cercados pelo fogo, eu e meu marido”, diz ela. “O bombeiro falou que era impossível apagar e foi embora, mas, quando o fogo chegou no condomínio Itaipu, veio avião e até helicóptero”, diz.

Para o chefe da Defesa Civil da cidade, porém, o despreparo de chacareiros e sitiantes para lidar com o fogo contribuiu para o agravamento da crise. Caballero diz que nenhuma propriedade na região do Itaipu havia tomado precauções básicas, como fazer os aceiros –uma raspagem da vegetação que cria uma faixa desmatada de alguns metros, para funcionar como barreira ao fogo.

“Estamos fazendo campanha desde maio, agora imagine o desespero que é chegar em uma propriedade e encontrar uma pessoa que não tem uma bomba d’água ou soprador, nada, tentando apagar o fogo com uma vassoura”, diz Caballero.

Em meio ao fogo, Terezinha e o marido conseguiram fazer um aceiro. O casal salvou o pasto, o gado e a própria casa. O apoio aéreo do estado livrou outras dezenas de propriedades.

O helicóptero e o avião enviados pela Defesa Civil estadual lançaram 38,2 mil litros de água. O fogo foi apagado em 13 de agosto. A floresta, porém, está cremada.

Antes impenetrável devido à quantidade de galhos e troncos que fechavam o caminho, o trecho de mata nativa foi reduzido a troncos torrados contornados por uma camada de cinzas que chega a cobrir os pés de quem caminha no local.

Com as árvores destruídas, também desapareceram pacas, tatus, capivaras e outros bichos que tinham a mata como refúgio.

CLAYTON CASTELANI E ZANONE FRAISSAT / Folhapress

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