Casey McQuiston, após ‘Vermelho, Branco e Sangue Azul’, luta por idioma neutro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, Casey McQuiston imagina uma realidade paralela em que Donald Trump não existe, e o filho da presidente democrata dos Estados Unidos se apaixona pelo príncipe da Inglaterra. Se na vida real essa ideia ainda parece absurda, no livro deu certo.

A obra viralizou no TikTok, vendeu milhares de cópias e virou filme pela Amazon, com uma sequência já confirmada.

Agora, na ressaca do sucesso, McQuiston tenta uma história mais plausível com a comédia romântica “Combina?”, sobre ex-namorados que são forçados a viajar juntos pela Europa, onde descobrem que ainda se amam.

Mesmo que seja mais pé no chão, o livro também é arriscado. Isso porque Theo, um dos protagonistas, é uma pessoa não binária, ou seja, que não se identifica com o gênero masculino nem com o feminino, o que forçou a editora e o tradutor brasileiro a examinarem minúcias do texto para apagar quaisquer marcas de gênero.

Traduzido por Guilherme Miranda e publicado pela Seguinte, selo juvenil da Companhia das Letras, o livro se rende à chamada linguagem neutra, e usa pronomes inventados, como “elu” e “delu”.

A questão é que, ainda que essa variação linguística venha ficando popular na internet, ela só é conhecida por uma faixa pequena da população, sobretudo entre os mais jovens e quem é da comunidade LGBTQIA+.

Pessoas que não sabem nada sobre linguagem neutra devem estranhar o termo “autore”, escrito na capa embaixo do nome de McQuiston, que também se identifica como uma pessoa não binária.

McQuiston, que nasceu nos Estados Unidos, diz à reportagem ter se surpreendido ao descobrir que a língua portuguesa é tão baseada em gênero quando visitou o Brasil há dois anos.

“Por onde eu ia, tentávamos decidir quais pronomes usar para se referir a mim”, conta. “É interessante quando eu chego a esses países cheios de pessoas ‘queer’ e digo ‘ei, pessoal, o que vamos fazer sobre esse problema de linguagem?’”

Escrever “Combina?” não foi tão difícil para McQuiston porque, na sua língua materna, os adjetivos são geralmente neutros. “Beautiful”, por exemplo, serve para chamar homens e mulheres de bonitos. Lá também é mais comum o pronome neutro “they”, já usado por artistas como Sam Smith e Demi Lovato.

“Sei que dei trabalho para os tradutores. Mas fico feliz de talvez estar abrindo espaço para essas conversas e, quem sabe, resolver algumas coisas. Quero ver como essas línguas, tão belas, vão evoluir para serem faladas também por pessoas LGBTQIA+”, diz McQuiston.

Foi mesmo um processo complicado, afirma Guilherme Miranda, o tradutor. Ainda que “Combina?” não tenha sido seu primeiro trabalho com personagens não binários, este continha um aspecto particularmente difícil: Theo só diz ao leitor que não se identifica como homem nem mulher lá pela metade da história, quando é Kit, seu par romântico, quem passa a narrar.

Antes, sob a narração de Theo, Miranda precisou encontrar formas de apagar as marcações de gênero sem usar termos neutros como “elu” e também sem distorcer adjetivos. O jeito, conta o tradutor, foi procurar termos como “valente”, “independente”, que são agênero.

Linguagem neutra é um tema que inflama discussões. Muitos acadêmicos e intelectuais condenam o uso, dizendo que dificulta a construção de frases. Há também uma reprimenda de políticos conservadores. O ex-presidente Jair Bolsonaro, durante sua gestão, afirmou que a variação linguística é um “aparelhamento na educação”.

Por outro lado, ativistas defendem que as línguas são vivas e devem se adaptar às mudanças da sociedade. “Tem sido maravilhoso ver como tantas pessoas com quem venho conversando para este livro estão abertas a criar novas regras”, diz McQuiston.

“Combina?” é o quarto livro de McQuiston, que vem formando um público fiel no Brasil desde “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, a obra voltada a jovens mais vendida do país em 2021, segundo o PublishNews, site especializado na cobertura do mercado editorial.

McQuiston atribui o sucesso à demanda por histórias fofas no caos da pandemia. “Foi um escapismo para uma realidade alternativa, envolve fatores que eu nunca poderia ter previsto. Tento manter isso em mente. Mas pensar em vendas é a pior coisa que um artista pode fazer, porque é assim que surge arte ruim.”

COMBINA?

– Preço R$ 69,90 (432 págs.)

– Autoria Casey McQuiston

– Editora Seguinte

– Tradução Guilherme Miranda

GUILHERME LUIS / Folhapress

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