SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O embate entre o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes deu fôlego ao bolsonarismo e levou a esquerda e a base governista a reativarem a defesa de regulação das redes contra o avanço da extrema direita.
A discussão em torno de questões como direito à liberdade de expressão e cumprimento de medidas judiciais também aglutinou apoiadores de Jair Bolsonaro (PL). Políticos e militantes ligados ao ex-presidente usaram o episódio para endossar o discurso de censura seletiva e perseguição à direita.
A mobilização ocorre às vésperas de um novo ato chamado por Bolsonaro e que deve reunir simpatizantes dele no próximo dia 21 no Rio de Janeiro. Após Musk dizer que as ações de Moraes contra a disseminação de fake news e discursos de ódio violam a legislação brasileira, o empresário foi elevado ao papel de herói –o próprio Bolsonaro chamou o bilionário de “mito da nossa liberdade”.
A reação do campo oposto passou por reforçar o apoio a Moraes e resgatar a pressão pela aprovação do PL das Fake News, que estabelece obrigações e punições para as plataformas digitais e está parado no Congresso Nacional. Ministros do governo Lula (PT) cobraram a responsabilização das empresas.
Na prática, o confronto de Musk com o STF aprofunda a disputa em torno de conceitos que se tornaram centrais na narrativa bolsonarista, como liberdade e politização do Judiciário, ao mesmo tempo que reacende alertas em torno de pilares democráticos e capacidade de reação no ambiente virtual.
Para a antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita, que reúne pesquisadores e acadêmicos, a atitude de Musk e a apropriação do caso servem ao bolsonarismo num momento em que Bolsonaro está “relativamente enfraquecido”. Ele é alvo da Justiça em diferentes frentes, mas conserva apoio eleitoral.
“Esses eventos unificam uma agenda que de certa forma estava desmobilizada e podem contribuir para reagrupar determinadas bases da propaganda de extrema direita, porque acabam por validar a teoria de que vivemos numa ditadura do Judiciário e que o STF toma ações arbitrárias”, diz.
A ofensiva de Musk atiçou um segmento que enfrenta hoje uma pulverização de pautas e, segundo a pesquisadora, se distanciou da unidade vista durante o governo do ex-presidente (2019-2022). O empresário, na visão de Kalil, age para insuflar e reproduzir teses da direita mundial.
O cientista político Juliano Medeiros, que até 2023 era o presidente nacional do PSOL, diz que o dono do X se insurgiu contra Moraes porque “perdeu dinheiro no Brasil” com as restrições que vêm sendo impostas. “A narrativa de censura não cola. Aqui não é terra sem lei”, afirma.
Medeiros faz coro à demanda pela aprovação do PL das Fake News.
O membro do PSOL diz que “há uma maioria na sociedade que considera que o que aconteceu dia 8 de janeiro de 2023 é inaceitável e não pode haver impunidade”, mas pondera que seria um erro a esquerda fazer do combate ao extremismo e ao golpismo o tema central de sua agenda. “Temos muito o que fazer para reconstruir o país.”
A reação da esfera antibolsonarista foi, em geral, de reivindicação por endurecimento no tratamento às plataformas de redes sociais, com a pregação de respeito às leis num terreno em que a direita predomina. Moraes recebeu manifestações de apoio de nomes ligados ao governo e a partidos de esquerda.
Doutor em comunicação e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Camilo Aggio diz que o momento é desfavorável para reabrir a discussão no Congresso sobre legislação para as redes. Ele ecoa a leitura feita por outros atores de que uma movimentação pode acabar sendo um tiro no pé.
“Seria muito fácil para o bolsonarismo concatenar esses eventos todos e conseguir emplacar, pelo menos para a sua militância, mas também para segmentos mais gerais da população, uma narrativa de conluio conspiratório”, afirma ele, que estuda formas de engajamento político na internet.
Aggio chama de “enorme presente” para a extrema direita no Brasil o ataque de Musk a Moraes, por conceder uma oportunidade de disputar na opinião pública o sentido de termos como liberdade de expressão, além de poder “vender uma definição bastante conveniente de democracia”.
Para o docente, a atitude do empresário impulsiona a campanha anti-STF em curso no país. Aggio aponta a intenção de desequilibrar o ministro responsável pelas investigações contra o presidente e aliados, justamente no momento em que a corte vislumbra condições políticas para condená-los.
Perfis bolsonaristas comemoraram o gesto do dono do X e consideraram que ele deu visibilidade mundial ao caso brasileiro. O segmento próximo a Bolsonaro trabalha para eleger representantes nas eleições municipais de outubro e avalia que demonstrará força após a derrota dele para Lula em 2022.
Setores que trabalharam pelo respeito ao resultado do pleito naquele ano e mantêm ações em defesa da ordem democrática viram com preocupação a iniciativa de Musk e o uso político do episódio.
Arthur Mello, do grupo Pacto pela Democracia, diz que o risco institucional “nunca deixou de existir”, mesmo após a saída de Bolsonaro do poder, e que o proprietário do X faz parte do ecossistema que perpetua as ameaças.
“Não se trata de críticas às decisões de uma corte ou expressão de descontentamento com o posicionamento de ministros. O que vemos aqui são ações coordenadas a nível internacional para o enfraquecimento da democracia brasileira e deslegitimação das instituições”, afirma.
Mello defende a via legislativa para tratar o tema e diz que o PL das Fake News é um caminho para debater a regulação das plataformas. “É a saída que trará segurança jurídica aos usuários, às empresas de tecnologia e a todos que defendem a liberdade de expressão e o Estado democrático de Direito.”
JOELMIR TAVARES / Folhapress