FOLHAPRESS – Fazia tempo que Gael García Bernal não tinha um papel em que pudesse mostrar o enorme talento que tem. Em “Cassandro”, o ator mexicano tem a oportunidade e a agarra com unhas, dentes e o que mais precisar para interpretar o personagem que dá título ao filme, um praticante de “lucha livre”.
Ele é filho de uma imigrante mexicana e um americano casado que se encontram na cidade de El Paso, no Texas, quase na fronteira entre os dois países, e têm um romance proibido que gera o menino.
Gay e apaixonado por luta livre, Saúl Armendáriz, o nome real do lutador, é abandonado pelo pai assim que revela sua sexualidade, aos 15 anos. A mãe, por sua vez, fica mais grudada nele do que nunca. Os dois passam os dias juntos, lavando e passando roupas para fora. À noite, Saúl atravessa a fronteira até Ciudad Juárez, no México, para se apresentar como o lutador El Topo -ou o rato, em português-, que entra no ringue para perder dos mais famosos, mais altos, mais fortes e mais queridos do que ele.
Frustrado com a falta de carisma de seu personagem, que se veste de cinza e cobre o rosto, como é de costume nesse tipo de luta, ele sempre perde as lutas de forma patética, exaltando, com seu corpo diminuto, a brutamontice ultra héterosexual dos seus oponentes.
Até que Saúl decide chacoalhar as coisas. Ele procura uma treinadora, Sabrina, que usa o nome Lady Anarquía nos ringues. Ela aceita treiná-lo, desde que ele tenha a mesma disciplina que ela exige de suas lutadoras, todas mulheres. Saúl topa o desafio e os dois formam uma daquelas parcerias de trabalho raras, em que um verdadeiramente torce e melhora o desempenho do outro.
Quando considera que Saúl está apto para vencer os grandalhões com quem disputa como alívio cômico, Lady Anarquía sugere que ele se apresente como um “exótico”, como são chamados os lutadores que se vestem como drag queens e agem como palhaços de circo, ou homens que se vestem de mulheres no Carnaval do Brasil, sempre propositalmente feias e debochadas.
Mas não é essa a vontade de Saúl. Ele aceita ser um “exótico” desde que não precise perder as lutas. Vai lutar para ganhar. E mais: não quer esconder o rosto, não vai se enfeiar e quer provocar as risadas do público sem ser o alvo das piadas homofóbicas que os lutadores drag costumam causar.
Ele então vai ao armário de sua mãe, que se veste com roupas cheias de brilhos e recortes, e com pedaços de vestidos usados faz ele mesmo seus figurinos. São collants chamativos e ornamentados com braceletes do mesmo tecido, que vão ficando cada vez mais parecidos com os figurinos de seu ídolo, o pianista americano Liberace, famoso por seus excessos no palco e na vida.
Quando entra no palco como Cassandro, o codinome que adota para sua versão “exótica”, Saúl demonstra que não só luta de igual para igual com os outros como domina o público e a narrativa daquela encenação. Ele é uma drag carismática e libertina, de reflexos rápidos, forte e ágil, que domina a atenção da plateia.
Eles querem rir de um lutador gay? Não vai ser com Cassandro, ele parece dizer. Com Cassandro, aquele público tacanho vai aprender a torcer por um gay ousado porque ele é melhor e mil vezes mais divertido do que todos os outros. Tanto na luta quanto na presença em cena.
Dirigido pelo documentarista Roger Ross Williams, um dos diretores da minissérie “As Supermodelos”, da Apple TV+, que já tinha feito um documentário sobre o lutador mexicano em 2016 para a série “The New Yorker Presents”, do Prime Video, “Cassandro” é uma cinebiografia honesta e profunda.
O filme conta uma história emocionante de uma relação ultra amorosa entre mãe e filho e explora de maneira eletrizante a coragem exigida de um homem gay que se recusa a ficar no armário, mesmo em um ambiente em que a macheza é encarada como prêmio.
CASSANDRO
Onde Disponível no Amazon Prime Video
Classificação 16 anosElenco Gael García Bernal, Roberta Colindrez e Bad Bunny
Produção Estados Unidos, 2023
Direção Roger Ross Williams
Avaliação Muito bom
TETÉ RIBEIRO / Folhapress