SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Doença provocada por repetidos traumatismos na cabeça ou no crânio, a encefalopatia traumática crônica, ou demência do pugilista, que acometeu Maguila, morto nesta quinta (24), pode afetar também praticantes de outros esportes.
Embora seja associada a boxeadores, há estudos apontando que praticantes de outros esportes de luta, do rugby, do futebol, entre outros, além de militares que passam por treinos que envolvam impacto na cabeça, podem ser alvos da doença.
Segundo o neurologista Vitor Tumas, professor e pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, todo trauma repetido de crânio pode predispor a pessoa a ter doenças degenerativas de uma forma geral, como Parkinson.
A exposição repetitiva ao traumatismo de crânio pode ocorrer em pancadas, golpes e sacudidas na cabeça, situações que fazem com que o cérebro se mova bruscamente dentro da caixa craniana.
“Podem ser traumas até leves, o que importa é o quanto isso é repetido”, diz ele. Segundo ele, o conhecimento sobre o impacto desses traumas no desenvolvimento de doença degenerativas levou a mudanças nas regras esportivas.
“Hoje, se alguém bate a cabeça em um jogo de futebol e acredita-se que foi um trauma de cabeça mais grave, o jogador tem que ser retirado. Se ele tiver outro trauma em seguida, aumenta muito o risco.”
Segundo Tumas, o movimento súbito de aceleração e desaceleração pode provocar estiramento das fibras nervosas, rompimento de pequenos vasos, causando lesões no tecido cerebral.
Esses traumatismos são mais evidentes na chamada concussão cerebral, quando, logo após o trauma, a pessoa fica confusa, desorientada ou perde os sentidos por alguns segundos.
Os repetitivos traumas vão provocando um acúmulo de alterações que desencadeiam um processo inflamatório e degenerativo, de acordo com o médico.
Com o tempo, há a deposição de diversas proteínas anormais no cérebro -a principal é a TAU fosforilada. A longo prazo, esse processo se torna irreversível e progressivo.
De acordo com Tumas, o diagnóstico definitivo da encefalopatia traumática crônica só é possível quando o cérebro é examinado após a morte. “Não existe um exame em vida que você possa confirmar isso. O diagnóstico é clínico e baseado no histórico de traumatismo repetido de crânio.”
Ele conta um caso clássico relacionado ao jogador de futebol Bellini, capitão da seleção brasileira campeã do mundo em 1958, na Suécia. Ele tinha sintomas da doença de Alzheimer, mas, devido ao histórico, os médicos suspeitaram da hipótese da demência do pugilista.
Quando Bellini morreu, em 2014, a família concedeu autorização para realização da autópsia, que confirmou o diagnóstico da encefalopatia traumática crônica.
Segundo Tumas, as características principais da doença do pugilista são alterações comportamentais, como quadros de depressão, ansiedade, agressividade e alteração cognitiva.
Ele diz que os sintomas podem imitar doenças psiquiátricas, como o Alzheimer. “Geralmente, os pacientes têm problemas motores, como alterações da fala e do equilíbrio.”
O médico diz que é importante que familiares, ou o próprio paciente que desenvolve sintomas característicos de encefalopatia, procurem um médico e citem que foi exposto aos traumatismos de crânio durante um período da vida.
A doença não tem um tratamento específico ou maneiras de bloquear sua progressão. A intervenção é na tentativa de amenizar os sintomas.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress