PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Desde que o cavalo Caramelo chegou ao Hospital Veterinário da Ulbra, em Canoas, já apareceu muita gente se dizendo responsável pelo bicho.
“As pessoas vêm dizendo que são [donas/tutoras], algumas com foto de cavalos caramelos. Mas aí se olha -as manchas, por exemplo- e não bate”, conta a veterinária Mariângela Allgayer, uma das responsáveis daquela instituição pela recuperação do animal-símbolo da tragédia das cheias no Rio Grande do Sul.
Na última quinta-feira (9), Caramelo foi resgatado por bombeiros depois de passar alguns dias (calcula-se que quatro) ilhado numa pequena porção seca do telhado de uma casa no bairro de Mathias Velho, um dos mais afetados de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre -que, por sua vez, foi uma das cidades mais devastadas.
Não significa necessariamente que gente maliciosa esteja querendo pegar o cavalo. “Eu nem sei se é uma coisa feita para se aproveitar. As pessoas têm cavalos caramelos, né? E de repente têm a foto, vêm aqui pra ver se é o delas ou não”, diz a veterinária.
O fato é que até agora, três dias após o resgate, não surgiu um responsável pelo bicho. Caso não apareça alguém que comprovadamente o seja, é provável que Caramelo fique de vez na Ulbra, numa fazenda-escola do Hospital Veterinário, vizinha a ele, em que vivem outros animais resgatados.
Mesmo sem informações precisas, é possível traçar um perfil mínimo de Caramelo a partir de alguns elementos, como num quebra-cabeças. Pelo local em que estava -uma região de um bairro pobre de Canoas-, intui-se que podia ser usado para puxar carroça.
Isso é reforçado, observa a veterinária, por uma marca que Caramelo tem na face. “Ele ficava bastante tempo com arreio. É um cavalo que, como vários encontrados nos bairros, estava desnutrido, não tem raça definida, é um animal até pequeno, perto dos cavalos de raça, da raça crioula, por exemplo, ele é um cavalo menor.”
Algayer acrescenta: “Provavelmente é de uma família que devia usá-lo para algum tipo de atividade, embora exista restrição a esse uso”.
Mas então não seria um cavalo indigente, que vivia solto nas ruas? “Não, eu acho que alguém tinha alguma ascensão sobre ele, porque em todo animal, vamos dizer assim, comunitário, alguém cuida, né? Nem que seja pra amarrar aqui, amarrar ali, pra pastar, mas ele não era um cavalo solto. A marca do arreio é um sinal de que alguém era responsável por ele.”
Para poder ser resgatado e transportado até onde está, Caramelo -que em algum momento foi tomado por Caramela, uma égua, equívoco logo corrigido- foi sedado. Ao chegar ao hospital veterinário, foi seco, aquecido e continuou tomando soro. Ao despertar e ficar de pé, bebeu água e comeu feno.
“Ele não tem nenhum comprometimento de maior grau, não tem ferimentos graves, só pequenas lacerações nas patas. Após 24 horas, a análise dele já estava quase dentro dos parâmetros normais, um pouco anêmico ainda, mas a hidratação já estava normal. Teve lesão muscular de ficar tanto tempo sem se mexer, mas está tudo retornando, ele está muito bem”, descreve Allgayer.
O cavalo está 50 quilos abaixo do seu peso ideal: deveria ter 350 kg e pesa hoje 300 kg.
Dentre seis cavalos resgatados que estão no local, relata a veterinária, Caramelo é o que está em melhor condição. Os outros cinco “estão em situação mais crítica, estão sendo tratados, mas têm feridas, têm processos inflamatórios bem intensos. Terão uma recuperação mais lenta”. Há ainda no complexo muitos outros cavalos levados para lá por precaução, antes mesmo de as águas subirem. Nenhum bovino. Mas uma cabra, abrigada numa baia de cavalo.
Por toda a atenção midiática -seu resgate foi transmitido ao vivo pela TV e viralizou nas redes sociais-, Caramelo ficou nacionalmente conhecido. Ganhou até um “perfil oficial” no Instagram, administrado pela Ulbra. Mas, como conta Allgayer, outros cavalos também foram resgatados de telhados, alguns estavam dentro de casas e teve até um que se refugiou nas escadarias de uma estação de trem/metrô.
Sobre uma das questões mais intrigantes do episódio -como o cavalo foi parar no telhado?-, a veterinária não tem resposta pronta, mas dá pistas.
“Cavalos conseguem nadar. Imagino que a água subiu, ele nadou, teve a sorte de encontrar aquele telhado e ali subiu. Não tem uma outra explicação. A gente está com outros cavalos que foram resgatados também no telhado aqui em Canoas.”
A outra pergunta recorrente –quem batizou o bicho?– Mariângela Allgayer não consegue responder, mas deixa claro que Caramelo não seria sua opção.
“Não faço a mínima ideia [de quem batizou], mas acredito que não foi gaúcho. O gaúcho não chama cavalos de Caramelo. Podia ser um Minuano, né, alguma coisa assim. Mas Caramelo…”
FABIO VICTOR / Folhapress