SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), da Câmara dos Deputados, aprovou na última terça-feira (27) uma proposta que inclui no Código Penal o crime de “stealthing”, termo em inglês que se refere ao ato de retirar propositalmente o preservativo sem o consentimento do parceiro ou parceira.
O texto, que ainda depende de aprovação do Plenário da Câmara, substitui o projeto de lei de 2022 do deputado Delegado Marcelo Freitas (União-MG). A proposta original estabelecia pena de reclusão de até quatro anos. Agora, o projeto do deputado Felipe Francischini (União-PR) prevê reclusão de 6 meses a 2 anos e multa.
Cada país interpreta o ato de forma diferente. Na Inglaterra, por exemplo, o “stealthing” é considerado estupro. No Brasil, não. Isso porque o crime de estupro prevê que o ato sexual deve ter acontecido mediante grave ameaça ou violência.
Advogada, psicanalista e fundadora do Instituto Survivor, Izabella Borges vê que ainda há um grande desafio pela frente. “Para além da criação desse novo crime, nossa luta diária é para fazer ser reconhecida a palavra da vítima como meio probatório.”
Borges considera que, em termos práticos, o sistema judicial ainda é bastante resistente, especialmente em casos que envolvem crimes sexuais, mesmo sendo a palavra da vítima a única prova em muitos dos casos. “Demandará uma grande mudança cultural no próprio sistema de justiça para que haja alguma expectativa de que não se transforme em letra morta no Código Penal.”
Mesmo sem o projeto de lei, há outros crimes previstos no Código Penal em que o ato de retirar a camisinha sem consentimento poderia ser incluído, como a violência sexual mediante fraude, que prevê pena de 2 a 6 anos de reclusão.
Apesar da punição maior, a tipificação do crime ficaria sujeita a quem está julgando, como explica Ana Paula Braga, advogada e especialista em direitos das mulheres. Por isso, a necessidade de um projeto de lei que trate especificamente desse crime.
“Diante desta insegurança, [o projeto de lei] pode realmente ser algo que vai facilitar [o andamento] dessas denúncias e promover segurança jurídica para todos”, diz Braga. Segundo ela, assim como outros casos de abusos sexuais, há uma dificuldade probatória.
Uma das possíveis provas, continua ela, é o exame de delito na vítima. Apesar de isso acontecer raramente, a indicação é que, se o parceiro tiver ejaculado, a pessoa procure uma delegacia logo após o ato para que o material seja recolhido.
“É uma recomendação bem cruel não tomar banho ao sofrer uma violência, mas acaba sendo mais fácil de atestar [o crime]”, explica ela. A advogada lembra-se de uma cliente que descobriu ter sido vítima do “stealthing” após a relação, quando notou que a camisinha estava intacta dentro da lata de lixo.
Braga afirma que depende muito da circunstância para provar e cita que troca de mensagens podem servir também como evidências.
“Assim como para outros crimes sexuais, a palavra da vítima tem de ter especial relevância. São crimes que acontecem às escuras, geralmente, sem testemunhas e sendo muito difícil de se provar.” Ela ressalta ser comum que a mulher só perceba o que sofreu no caso de uma gravidez indesejada ou se contrair uma IST (infecção sexualmente transmissível).
Outra dificuldade, diz Braga, é o acesso ao aborto legal no caso de mulheres vítimas de “stealthing”, uma vez que no paíso aborto é permitido somente em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto –este último caso foi garantido por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012. Nas demais situações, a prática é considerada crime.
“Nossa lei fala exclusivamente em estupro. Assim, a vítima poderia ter dificuldade inclusive de um acesso ao aborto legal, mas outras formas de violência sexual também podem levar a uma gestação”, diz a advogada.
ISABELLA MENON / Folhapress