Celac racha em crise México-Equador, sofre boicote e agrava desintegração regional

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Principal organização de coordenação política na América Latina, a Celac sofreu nesta terça-feira (16) um boicote em uma reunião sobre o conflito diplomático entre México e Equador que agravou a crise de integração que afeta os países da região.

O resultado direto desse racha é que o presidente Lula (PT) participou de uma cúpula virtual esvaziada da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, marcada pela ausência de importantes governos latino-americanos e outros que não foram representados por seus líderes.

Presidente de turno da Celac, a líder hondurenha Xiomara Castro atendeu a um pedido do México e convocou o encontro remoto com o objetivo de ampliar o isolamento diplomático do Equador e mostrar um repúdio coordenado contra a invasão da missão diplomática mexicana em Quito, no começo do mês.

Na ocasião, forças policiais equatorianas entraram na embaixada para capturar o ex-vice-presidente Jorge Glas, acusado de corrupção e asilado na representação mexicana.

No total, apenas dez presidentes entre os 33 membros da Celac participaram da cúpula desta terça. Outros cinco foram representados por chanceleres, em mais um sinal de que os governos da região estão questionando a legitimidade do fórum para tratar da crise entre Equador e México. Os demais acompanharam com funcionários de menor nível hierárquico.

Além de Lula e Xiomara, estiveram na cúpula virtual os presidentes de México, São Vicente e Granadinas, Guiana, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guatemala e Cuba. Escalaram seus chanceleres os governos de Chile, Belize, Panamá, Equador e República Dominicana.

“O que aconteceu em Quito é simplesmente inaceitável e não afeta só o México. Diz respeito a todos nós. Um pedido formal de desculpas por parte do Equador é um primeiro passo na direção correta”, disse Lula.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, fez um rápido pronunciamento em nome dos 15 membros da Caricom (Comunidade do Caribe), mas num tom muito abaixo dos discursos inflamados do mexicano Andrés Manuel López Obrador, e do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro –este anunciou o fechamento da sua embaixada e de seus consulados no Equador “até que o direito internacional seja expressamente restaurado”,

Antes mesmo do início da reunião desta terça, os governos de Argentina, Costa Rica, Uruguai, Paraguai e Peru já tinham informado interlocutores que boicotariam a transmissão. Em linhas gerais, esses governos consideram que a reprimenda contra o Equador já foi contemplada em reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Na semana passada, o órgão sediado em Washington condenou “energicamente” a ação de Quito e instou as duas partes a iniciar um diálogo “para resolver esse grave assunto de forma construtiva”. Todos os países do continente votaram a favor da resolução da OEA, com exceção do Equador, que foi contra, e El Salvador, que se absteve.

Mas Obrador quis que a Celac adotasse medidas adicionais contra o governo equatoriano do presidente Daniel Noboa. O principal pleito era que os integrantes da Celac endossassem a denúncia apresentada contra o Equador na Corte Internacional de Justiça, em Haia. Obrador queria ainda apoio no seu plano de levar o caso contra Quito à Assembleia-Geral da ONU.

O esvaziamento da cúpula da Celac é também reflexo das críticas contra a presidência rotativa de Honduras. A condução do órgão por Xiomara Castro, uma líder de esquerda, já foi publicamente questionada em uma dura nota conjunta subscrita por dez países: Argentina, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.

Em meados de março, esses países publicaram um comunicado criticando a hondurenha por manifestar opiniões em nome da Celac que não tinham sido previamente consensuadas.

“A mensagem emitida pela presidente Castro, no seu perfil da rede social X, sobre as felicitações estendidas ao presidente Vladimir Putin deve ser entendida exclusivamente como uma declaração realizada na sua condição de presidente de Honduras, e não na condição de representante da presidência pro tempore da Celac, atualmente exercida por seu país, uma vez que não foram realizadas as consultas prévias com os Estados-membros”, queixaram-se os países signatários.

Eles também disseram que declarações de Xiomara sobre a guerra Israel-Hamas e sobre a situação no Haiti não tinham sido acordadas com os demais integrantes do bloco.

O boicote à Celac deve aprofundar um dos principais problemas de Lula no seu relacionamento com vizinhos, as dificuldades na agenda de integração na América Latina.

É ainda um desafio adicional para Lula organizar respostas aos atritos políticos na região. Nesta quarta-feira (17), ele faz uma visita ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em que ambos devem discutir a principal crise sul-americana, a deriva autoritária na Venezuela.

Integrantes da diplomacia brasileira admitem o racha na América Latina, mas dizem que ele não vem de hoje e tem motivos diversos. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a retirar o Brasil da Celac.

Em outros momentos, os países também passavam por polarização, mas ainda assim havia diálogo, segundo um integrante do governo. Ele relembra quando a Unasul foi criada sob os governos de Hugo Chávez (Venezuela) e Álvaro Uribe (Colômbia), de campos ideologicamente opostos.

A avaliação é a de que é injustificável o ato do Equador e, por isso, não é compreensível o motivo de alguns países terem evitado participar do encontro da Celac. Até mesmo o Equador esteve presente, ainda que representado por seu chanceler, diz esse membro do governo sob anonimato.

RICARDO DELLA COLETTA E MARIANNA HOLANDA / Folhapress

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