Cemitérios de SP têm restos mortais misturados com solo e descarte irregular, aponta fiscalização

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) encontrou ossos humanos, pedaços de caixão e outros tipos de lixo contaminado em meio a terra revirada e resíduos de construção civil nos cemitérios municipais de São Paulo.

A situação é irregular, pode trazer riscos à saúde, e foi encontrada em locais administrados por todas as quatro concessionárias dos cemitérios da capital.

Fotos da fiscalização foram apresentadas pelo conselheiro Roberto Braguim na manhã desta quarta-feira (27) durante uma sessão do TCM. As fiscalizações ocorreram no início deste mês, entre os dias 6 e 14 de novembro. “Os dez cemitérios que possuem quadra geral com sepultamento diretamente em terra possuem quantidade muito grande de cadáveres empilhados e não identificados”, afirmou.

Braguim diz que, além de desrespeito ao decreto municipal que regulamenta a administração de cemitérios, as fiscalizações trazem indícios do crime de vilipêndio de cadáver. A pena prevista pelo Código Penal é de até três anos de prisão e multa.

Questionadas, as concessionárias deram respostas diferentes sobre a fiscalização do TCM. A Consolare afirmou que ossos não identificados foram encontrados devido a “uma prática antiga de refunda”, quando restos mortais são enterrados a uma profundidade maior.

O Grupo Maya afirmou que vai apurar os casos “para tomar as providências necessárias”. A Velar SP afirmou que o caso de descarte irregular num de seus cemitérios foi pontual e que os funcionários são permanentemente orientados. A Cortel SP disse que não recebeu o relatório do TCM e, portanto, não iria comentar a apresentação.

A SP Regula, agência que fiscaliza as concessões municipais, não se manifestou até a publicação da reportagem.

As imagens mostram ossos humanos em meio a terra revirada em ao menos quatro cemitérios: Vila Formosa, Saudade, Lageado e Vila Nova Cachoeirinha. No cemitério São Pedro, na zona leste, em caçambas para resíduos de construção foram encontrados uma lona mortuária (para transporte de corpos), um pedaço de caixão e uma etiqueta de identificação de cadáver —um sinal de que a localização de algum corpo pode ter se perdido.

Normas ambientais exigem que qualquer resíduo dos sepultamento ou exumações de corpos deve ser armazenado em contêiner fechado, sem se misturar com qualquer outro tipo de lixo. Segundo Braguim, há indícios de que as concessionárias fizeram obras em terrenos onde havia corpos enterrados, sem exumá-los previamente.

Sobre a inspeção no cemitério da Vila Formosa, Braguim disse que, após os auditores notarem que ossos foram transportados junto com a terra de uma escavação, “os representantes da concessionária não conseguiram comprovar naquele momento a destinação das ossadas advindas das quadras”.

De acordo com o relatório, a administração do local mostrou “uma quantidade de sacos em quantidade muito inferior ao total de exumações já feitas no local”.

Nos cemitérios Campo Grande, Dom Bosco e Vila Formosa, a auditoria encontrou ossos expostos nas paredes de taludes de terra, que haviam sido abertos após a escavação de quadras gerais. Em nota, o TCM afirmou que os itens encontrados indicam “que as escavações realizadas em área indevida ocasionaram exumações à revelia e descarte de ossadas de forma anônima”.

O relato deve fazer parte de um relatório mais amplo do TCM sobre a prestação de serviços nos cemitérios. Os problemas no manejo de resíduos se soma a denúncias de outras irregularidades, como cobranças abusivas por funerais e outros serviços.

Durante a sessão, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil) foi chamado pelos conselheiros a se manifestar e relatou que a Câmara Municipal já analisou casos de perda de cadáveres na Comissão de Política Urbana. “Temos casos de perda de corpos. Na oitiva do Grupo Maya identificamos, creio que no cemitério do Lageado, a perda de oito corpos”, disse o vereador, lembrando que a localização da etiqueta no lixo e de ossos no meio da terra reforça a falta de cuidado que resulta no desaparecimento de restos mortais.

Braguim disse que convocou a SP Regula para uma reunião sobre o tema. Disse ainda que notificou o gabinete do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre a fiscalização. O conselheiro afirmou que a gravidade das constatações “ultrapassam o limite da tolerância”.

No último domingo (24), O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino determinou que o município restabeleça a comercialização e a cobrança pelos serviços funerários, cemiteriais e de cremação com os valores máximos que eram cobrados antes da privatização. Ele disse que há fortes indícios de violações à “dignidade da pessoa” praticadas pelas empresas.

EMPRESAS DIZEM QUE CUMPREM REGRAS

A Consolare, que administra os cemitérios Vila Formosa, disse que cumpre todas as normas ambientais. A empresa ressaltou que no ano passado começou a construir de gavetas de concreto para deixar de fazer enterros em cova rasa —a empresa ressaltou que essa prática é realizada no local há 70 anos.

“Foram realizadas as exumações de todos os despojos identificados que estavam no local e os mesmos foram devidamente documentados e armazenados em ossários”, disse a empresa, em nota.

“A Consolare identificou em meio a terra outros ossos não identificados, fruto de uma prática antiga de refunda (onde os ossos eram reenterrados em profundidade maior). Foi destinada pela Consolare uma equipe de exumação dedicada a essas áreas.”

A Velar SP ressaltou que não foram encontrados restos humanos em meio à terra revirada nos cemitérios que administra. A empresa afirma que a destinação inadequada de uma manta mortuária e de um pedaço de caixão “foi pontual e decorrente de falha individual”.

Além disso, ressaltou que faz exumações e descarte de despojos de maneira adequada, em sacos apropriados e identificados. Diz que possui um Comitê de Apoio e Fiscalização “que atua para promover as melhores práticas e corrigir eventuais falhas de procedimentos”. Afirma ainda que os serviços de limpeza, conservação e manutenção, e segurança da Velar foram bem avaliados na fiscalização do TCM.

CARLOS PETROCILO E TULIO KRUSE / Folhapress

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