Censo de quilombolas mostra impacto da escravidão e da resistência negra, dizem historiadoras

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Além das comunidades quilombolas e entidades ligadas a esse grupo social, o Censo 2022 que fez o primeiro mapeamento dessa parcela da população também tem sido comemorado por especialistas no tema, que consideram o levantamento fundamental.

Entre os motivos apontados está a possibilidade de elaborar políticas públicas de forma mais eficiente. Além disso, os dados levantados pelo IBGE poderão ajudar no processo de delimitação e titulação de terras quilombolas, a principal demanda das comunidades.

Para a professora de história da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) Luciana Brito, os números apresentados são impressionantes. Segundo ela, os dados dizem muito sobre história do Brasil, sobre a política do país, sobre economia e sobre movimentos migratórios.

“Foram quase 400 anos de escravidão. [O Censo] Nos mostra como esse foi um episódio que impacta a forma como a população negra se organiza até hoje”, diz.

“A despeito dos movimentos migratórios de uma população negra do Nordeste para o Sudeste do país, nós compreendemos que a força da escravidão foi tão grande que determina onde essas populações se concentraram.”

Por outro lado, ela destaca que essa concentração no Nordeste de pessoas quilombolas mostra a força da resistência negra. “Elas construíram estruturas políticas e econômicas e sociais que permitiram que elas se mantivessem em um determinado território. Essas pessoas não esperaram políticas de Estado.”

Luciana Brito diz que as comunidades quilombolas estão na linha de frente de um conflito de terra no Brasil. Segundo ela, essas populações são muito cientes dos seus direitos e da ameaça que elas sofrem.

“A gente compreende melhor a dinâmica da política brasileira. Quando um presidente diz que não vai reconhecer nenhuma terra quilombola ou indígena, ele está falando dessa organização política quilombola, que se articula em torno de demandas de políticas públicas que lhe garantam saúde e educação”, afirma em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Não são fruto de um racismo sem sentido ou desarticulado as investidas que as populações quilombolas e no Nordeste têm sofrido nos últimos quatro ou cinco anos.”

O Censo mostra que o Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas. O contingente equivale a 0,65% do total de habitantes no país (203,1 milhões). A divulgação tem caráter histórico porque é a primeira vez que a pesquisa identifica os quilombolas e as suas características no Brasil, incluindo quantos são e onde vivem.

Segundo Ynaê Lopes dos Santos, professora de história da UFF (Universidade Federal Fluminense), é possível traçar uma uma relação entre a concentração de comunidades quilombolas do Nordeste do país e a concentração de população escravizada na mesma região, durante o período colonial.

Ela aponta ainda que, no período da escravidão, o Nordeste foi uma região de intensa presença de africanos escravizados e seus descendentes em razão da economia agroexportadora.

“Mas é preciso dizer que esses dados também devem ser lidos em conjunto com a questão da concentração fundiária no Brasil, que faz parte, digamos, do mesmo problema. Essa concentração fundiária está muito vinculada com o período do fim da escravidão e a manutenção disso se alimenta pelo racismo no país.”

De acordo com os dados divulgados nesta quinta (27), a maior parte dos quilombolas reside no Nordeste. São 905,4 mil na região. O número corresponde a 68,2% da população total que pertence ao grupo no Brasil. O Sudeste tem 13,7% (182.305), o Norte, 12,5% (166.069), e o Centro-Oeste, 3,4% (44.957). O Sul do Brasil registra 2,2%.

A professora da UFF destaca ainda que há também um movimento que é relativamente mais recente se comparado ao período da escravidão.

“Houve uma migração da população no Nordeste. Muitas [pessoas] vão para a região Norte. Então, faz sentido uma concentração nessa região limítrofe entre o Nordeste e o Norte de quilombos, que têm provavelmente outras configurações do ponto de vista étnico-racial. Deve ter uma presença muito maior de pessoas quilombolas que se consideram indígenas”, diz.

A avaliação de Ynaê Santos vai na mesma linha do que disse o historiador Flávio Gomes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista à reportagem. Ele aponta que a pesquisa do IBGE ainda não captou todas as dimensões dessa parcela da população porque uma parte dela está invisibilizada.

“Tem uma face camponesa negra, fundamentalmente a terceira geração do pós-emancipação [abolição da escravatura], que tem vinculação com quilombos”, afirmou.

TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress

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