SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O acordo para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, que nesta terça-feira (14) entrou em processo de finalização no Qatar, provocou forte reação na extrema direita que apoia o governo do premiê Binyamin Netanyahu em Israel.
O maior expoente do grupo, o ministro Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional), ameaçou se demitir e pediu que o colega Bezalel Smotrich (Finanças) faça o mesmo.
Ambos são integrantes do chamado gabinete de segurança, que terá de aprovar o plano a ser anunciado após pressão do novo governo dos Estados Unidos, com Donald Trump de volta à Casa Branca na próxima segunda-feira (20).
O colegiado tem 11 membros, o que deverá garantir a aprovação do texto -apenas Ben-Gvir havia vetado o acordo de novembro com o Hezbollah libanês. Na segunda-feira (13), Smotrich havia dito que o arranjo atual é “um desastre para a segurança nacional”.
Segundo o jornal Yedioth Ahronoth, Netanyahu prometeu ao ministro das Finanças um “pacote de compensações” exclusivo em seu nome e de seu partido, o Religioso Sionista, em troca do apoio.
O plano vazado até aqui prevê a troca inicial de 33 dos 98 reféns remanescentes do 7 de Outubro por um número que ao fim chegará a mil dos 11 mil palestinos presos em Israel. Desses reféns, cerca de 60 podem estar vivos, nas contas de Israel. O Hamas tomou 255 pessoas no seu ataque.
Há previsão de retirada gradual das forças de Tel Aviv para as fronteiras da Faixa de Gaza e a volta de moradores para a região norte do território. O plano inicial é de 42 dias de cessar-fogo, com a segunda fase da troca de prisioneiros ocorrendo duas semanas após seu início.
Segundo a agência de notícias Associated Press, o Hamas já aceitou os termos. Com mais de sete horas de conversa em Doha, contudo, uma autoridade ligada ao grupo disse que Israel ainda não havia detalhado os planos de saída das suas forças, o que teria travado o processo, ao menos temporariamente.
Passadas 12 horas, foi a vez da intervenção coordenada de Biden e do ditador egípcio, Abdul Fattah al-Sisi, por via remota.
Autoridades israelenses, falando sob anonimato para a mídia local, disseram que a amarração final é complexa, mas relataram avanços. A chancelaria do Qatar, por sua vez, afirmou que o acordo estava “mais próximo do que nunca”, emulando o que haviam dito Joe Biden e Trump.
Enquanto isso, milhares de israelenses foram às ruas protestar. Em Tel Aviv, principal polo secular do país, eles pediam o fim da guerra. Em Jerusalém, a capital disputada e centro religioso da nação, as manifestações eram majoritariamente contrárias ao acordo.
A resistência foi vista em Israel como um teste de última hora para o premiê alegar a impossibilidade de aceitar o acordo. Netanyahu tenta convencer seu eleitorado à direita de que o acordo foi algo inexorável a partir do momento em que Trump indicou o empresário judeu Steve Witkoff para ser seu negociador no Oriente Médio.
Em uma medida inusitada, o time de Biden que tocava desde o ano passado as conversas no Qatar aceitou que Witkoff participasse da reta final das negociações. Ele chegou com o pé na porta, obrigando Netanyahu a aceitar termos antes considerados tabus, como a retirada de tropas israelenses de todo o território de Gaza.
O formato foi decidido em uma conversa relatada na imprensa israelense entre o primeiro-ministro e o enviado de Trump no último sábado (11), em pleno descanso semanal do judaísmo. Witkoff partiu de Israel a Doha logo na sequência, e na madrugada de segunda o arranjo começou a tomar forma final.
Em Jerusalém, faixas dizendo que “Acordo = Rendição” abundam em bairros ortodoxos, e sem esse apoio Netanyahu ficará numa situação politicamente exposta até a eleição prevista para o ano que vem.
Mas tudo indica que o premiê preferiu o acerto às expensas da vontade desses aliados. Se no gabinete de segurança é possível tratorar a ultradireita, no Parlamento a situação é mais fluida. Dos 120 deputados, o governo conta com 68, sendo apenas 32 do partido de Netanyahu, o direitista Likud.
O premiê tenta assim navegar, contando talvez com a mudança de ambiente em Israel após mais de um ano de guerra, iniciada quando o Hamas atacou o país em 7 de outubro de 2023.
A virtual aniquilação operacional do Hamas, o ataque maciço ao Hezbollah e a pressão sobre o Irã, que banca os libaneses e o grupo terrorista palestino, valeu dividendos ao primeiro-ministro. O Likud recuperou a liderança com quase 30% de intenções de voto se uma eleição fosse disputada hoje -sem intercorrências, o pleito ocorrerá em 2026, caso o governo sobreviva até lá.
Nada disso é garantia de vitória, claro. Netanyahu governa um país que, antes da guerra, estava profundamente dividido, com protestos semanais contra suas propostas autoritárias e mesmo sua presença no cargo, dado o julgamento por corrupção a que é submetido. A demora na negociação com o Hamas, vista como uma forma de manutenção de poder, também é fonte de grande desgaste.
Por outro lado, a aposta de Netanyahu em ser o premiê do grande acerto de contas de Israel com os vizinhos foi jogada a sério, mas agora a base quer mais. Ben-Gvir já deu a chave: reocupar o que for habitável de Gaza com assentamentos judaicos, algo não previsto no acordo.
Isso, somado ao torniquete aplicado à Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia, onde colonos ilegais proliferam, e ao novo ímpeto ao ocupar mais território na Síria após a queda da ditadura de Bashar al-Assad, pode servir para garantir a continuidade do apoio por ora desses aderentes do “Grande Israel”.
IGOR GIELOW / Folhapress