SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos maiores esquemas de corrupção da história da Polícia Militar de SP, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, promete ganhar novos capítulos com a decisão do ex-tenente-coronel José Afonso Adriano Filho de entregar supostas provas do envolvimento de superiores.
Na última sexta-feira (15), representantes do ex-oficial, que está preso desde 2017, entregaram à reportagem cópias de recibo e de cheque sobre suposto pagamento de despesas da família do coronel Alvaro Camilo, então comandante-geral da PM (2009-2012) e atual subprefeito da Sé na gestão Ricardo Nunes.
Camilo também foi vereador na capital, deputado estadual por São Paulo e secretário-executivo da Polícia Militar na Secretaria da Segurança Pública na gestão tucana de João Doria e Rodrigo Garcia.
Procurado pela reportagem, o coronel disse que tais suspeitas foram investigadas no passado e arquivadas pela Promotoria. Sobre a veracidade dos documentos, ele respondeu: “Não sei informar”.
Entre os documentos obtidos pela reportagem, há um recibo de R$ 12 mil referente à suposta internação de um filho do então comandante-geral da PM em uma clínica para tratamento de dependentes químicos em Atibaia, no interior de SP. Não há informações, porém, sobre o período total de internação.
O recibo é datado de 17 de novembro de 2011 e é acompanhado pela cópia de um cheque no mesmo valor (R$ 12 mil) destinado à Clínica Atibaia, emitido pela empresa Comercial das Províncias. No verso, o nome do filho do coronel Camilo aparece como assistido da clínica.
A Comercial das Províncias é uma das empresas de fachada usadas no esquema montado por Adriano para fraudar licitações destinadas ao comando-geral da PM, conforme revelou série de reportagens da Folha de S.Paulo, suspeitas posteriormente confirmadas em investigações da própria Corregedoria da PM.
Adriano foi preso em 2017 e, até agora, foi condenado em duas ações. Somadas, as penas impostas a ele ultrapassam 50 anos. Outros processos ainda estão em curso e há expectativa de novas condenações. Há suspeita de fraude em licitações para compra de itens como papel higiênico, bolacha, açúcar, clipe, peças de veículos, programas para computador, ternos, pinturas e, até, reforma de um lago de carpas.
“Não fiz nada sem ordem. Todas as melhorias executadas, não só no Quartel do Comando-Geral como em outras unidades, tinham ciência e autorização dos superiores. De todos os superiores”, disse Adriano em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, quando não quis citar os nomes.
As suspeitas de que coronel Camilo e outros oficiais da PM receberam repasses de recursos de Adriano ganharam corpo em 2017, quando o ex-oficial tentou fazer um acordo de delação premiada, mas não conseguiu. Na época, implicou o nome de 18 oficiais que teriam usufruído do esquema.
Na época, a Folha de S.Paulo tomou conhecimento de que Adriano teria pago despesas da clínica do filho do coronel Camilo, mas decidiu não publicar a reportagem porque não tinha cópias de recebidos e outros detalhes do suposto pagamento. Na época, o então deputado estadual negou à reportagem que isso fosse verdade.
Segundo o advogado de Adriano Filho, Oswaldo Duarte Filho, esses documentos confirmam que Camilo não só sabia do esquema de desvios no comando da PM como, também, usufruía dos recursos desviados. Estima-se que entre 2005 e 2012 o esquema na PM tenha envolvido cerca de R$ 200 milhões.
Camilo deixou o comando da PM prematuramente em 2012 em meio a ordem do então secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto, para barrar uma licitação, superior a R$ 300 milhões (sem atualização), para compra de equipamentos de comunicação. Na época, Ferreira Pinto viu suspeitas de irregularidades.
Além do ex-comandante da PM, Duarte Filho afirma ter provas do pagamento de valores a outros coronéis, como Orlando Eduardo Giraldi, atual presidente do TJM (Tribunal de Justiça Militar) de São Paulo e, na época, era juiz corregedor da própria corte.
O advogado do ex-tenente-coronel encaminhou à reportagem comprovante de suposto depósito a Giraldi, no valor de R$ 15 mil, feito em 2011. A reportagem simulou uma transferência com os dados que aparecem no recibo e são, de fato, de uma conta em nome de Giraldi. Procurado, o coronel negou irregularidades e suspeitas já foram arquivadas (leia abaixo).
Duarte Filho, defensor de Adriano, diz que novos documentos serão anexados em ações que pretende mover na Justiça para demonstrar suposto complô para que apenas o cliente dele seja condenado. Ao contrário do dizem os oficiais, segundo ele, esses papeis são inéditos, estavam fora do país inclusive, e serão usados como “prova nova” em ações judiciais.
O então major da reserva da PM paulista Olímpio Gomes (1962-2021), deputado federal à época, afirmou à Folha de S.Paulo em 2015, quando a série de reportagens foi publicada, que a estrutura de compras existente na corporação não poderia ser burlada em ação isolada de um único oficial.
“Eu digo que é impossível, pelo sistema de controle que nós temos, o controle orçamentário da própria polícia, o coronel Adriano ter feito ou perpetrado tudo isso sozinho. Impossível”, disse à Folha de S.Paulo.
Até agora, porém, apenas Adriano foi condenado.
OUTRO LADO
Em nota, coronel Camilo afirma que, sobre as acusações feitas por Adriano, tomou providências tão logo surgiram as suspeitas. “Assim que soube das supostas irregularidades, determinei imediata apuração, afastei o ex-PM de suas funções e o transferi de unidade.”
Ainda segundo ele, o resultado das investigações culminou na condenação de Adriano e a perda de patente e de salários. “Agora, ainda preso, ele volta com o mesmo assunto para tentar obter vantagens nos seus processos penais em curso, acusando indevidamente coronéis da PM. Esse assunto já foi investigado pelo MP e restou arquivado”, disse o oficial em nota.
Procurado por meio da assessoria do TJM, coronel Giraldi afirmou que “o recibo foi apresentado anteriormente e objeto de investigação do MP na época. Foi arquivado”. Assim como Camilo, o oficial não aponta falsidade do documento e também não explica por que Adriano enviou R$ 15 mil a ele.
ROGÉRIO PAGNAN E CARLOS PETROCILO / Folhapress