BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, nesta quarta-feira (12), que chega de jogar cientistas nas fogueiras acesas na internet e em grupos de ódio por mentiras e pelo discurso de ódio.
A declaração foi dada durante solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília, de entrega da Ordem Nacional do Mérito Científico e da retomada do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT).
Apesar de o discurso fazer referências em diversos momentos a Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente não foi nominalmente mencionado.
Entre os agraciados no evento desta quarta, há dois especialistas que tiveram a honraria revogada em 2021, no auge do negacionismo bolsonarista durante a pandemia: a médica sanitarista Adele Benzaken e o infectologista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda.
Diretora da Fiocruz Amazônia, Benzaken perdeu a condecoração por defender a diversidade nas campanhas de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, e Lacerda, por ter publicado um estudo que apontava a ineficácia da cloroquina no combate à Covid-19.
À época, em reação ao governo, 20 cientistas com a condecoração da Ordem fizeram uma renúncia coletiva às suas medalhas.
“Hoje, fazemos justiça a todos os cientistas, pesquisadores e pesquisadoras que foram perseguidos e ameaçados por um governo que estrangulou e sufocou a ciência, desqualificou as nossas universidades e desacreditou a inteligência brasileira. Nós não achamos as universidades espaços de balbúrdia. Nós achamos as universidades espaços de excelência”, disse Luciana Santos, ministra do MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação).
Benzaken foi a única homenageada a discursar. Ela pediu a palavra a Lula e falou da alegria do reencontro com um país mais plural, com o SUS, com o próprio presidente e com as utopias.
“Ao senhor, aos representantes da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], da ABC [Academia Brasileira de Ciências], do MCTI e principalmente aos companheiros que solidariamente se recusaram a receber a medalha de Ordem do Mérito no governo passado minha gratidão eterna”, afirmou emocionada.
‘ CIENTISTAS NAS FOGUEIRAS’
“Chega de jogar cientistas nas fogueiras, não mais aquelas da Idade Média, mas as que a mentira e o discurso de ódio acenderam na internet e em grupos radicais de nossa sociedade”, disse Lula na cerimônia.
“Chega de aceitar que cientistas como Adele Benzaken ou Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda terem suas condecorações revogadas. Ela porque se preocupou com a saúde dos homens trans. Ele, porque ousou publicar a verdade: a de a cloroquina não combatia a Covid”, completou.
O petista foi aplaudido pela plateia de pesquisadores e integrantes do governo neste momento do seu discurso. Também foi quando, em seguida, citou o cientista Ricardo Galvão, demitido por Bolsonaro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e atual presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
“Basta de testemunhar pesquisadores como Ricardo Galvão perdendo seu cargo porque mostrava aquilo que os satélites registravam e que todos com a mínima honestidade intelectual podiam ver: nos últimos anos, a Amazônia estava sendo degradada a um ritmo cada vez maior”, afirmou.
Lula disse que os agraciados que devolveram as honrarias em 2021 aceitaram-nas de volta hoje porque sabem que “a ciência voltou”. Em seu discurso, o chefe do Executivo destacou meio ambiente, biodiversidade e energia limpa.
Ele fez um apelo ainda para os cientistas que não deixem suas pesquisas “na gaveta”, mas que o resultado gere aprendizado e se torne um bem coletivo.
“Mas não basta a ciência voltar. Precisamos ser incansáveis para que ela siga sempre conosco. E para que ninguém -nem mesmo quem ainda têm a cabeça na idade das trevas- tente mais uma vez fazer o relógio da história andar para trás”, disse Lula.
No início de sua fala, o presidente disse ser um dia feliz e triste para a ciência. Feliz, por causa das honrarias que seriam retomadas. E triste, porque lembrou do ex-reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Luiz Carlos Cancellier, a quem chamou de companheiro.
Cancellier se suicidou após operação da PF (Polícia Federal) que apurava supostos desvios na universidade. A investigação o impediu de retornar à UFSC, ocorrida na esteira do lavajatismo.
“Sempre que a gente puder, a gente tem que lembrar das pessoas que foram vítimas do arbítrio para que essa insanidade nunca mais aconteça no Brasil”, afirmou Lula.
MARIANNA HOLANDA E STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress