Chianca supera lesão grave e tenta mostrar que ainda é Chumbinho

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Caraca, será que eu mudei?”, perguntou-se João Chianca, 23, há dois meses, quando se viu diante das belas e agressivas ondas de Teahupo’o, no Taiti. “Será que eu perdi minha essência, minha paixão, aquele sentimento de lidar com situações difíceis de maneira natural e sem medo? Isso chegou a passar pela minha cabeça.”

Chianca, então, encarou o mar e aprovou o próprio desempenho. Foi um passo decisivo em sua recuperação do acidente que sofreu em dezembro, em Pipeline, no Havaí. Ao saltar da prancha quando viu que surfar a onda não era possível, ele bateu a cabeça no recife de coral e perdeu a consciência.

“Foi um momento difícil acordar no hospital”, disse à Folha João, chamado de Chumbinho no mundo do surfe. “Eu ainda estava muito confuso, ainda tudo muito sem explicação na minha cabeça. Acordar e ver que eu estava com uma dificuldade grande de mover o pé esquerdo foi realmente um susto.”

O fluminense de Saquarema tinha assegurado sua classificação aos Jogos Olímpicos, com o quarto lugar no último Mundial, uma vaga muito celebrada. Mas a queda no Havaí, de repente, tornou a participação na Olimpíada de Paris questionável, até improvável.

“Seis meses atrás, era uma coisa muito distante, muito inviável, muito duvidosa. Eu sabia o tanto de trabalho, o tanto de dias, o tanto de dificuldades… Eu tinha que ser paciente, positivo, e realmente me perdoar pelos meus erros, tinha que me dar a chance de ser uma pessoa melhor, para ter a chance de participar dos Jogos Olímpicos. Então, eu vejo como uma oportunidade incrível.”

Tão incrível que a primeira experiência olímpica de Chumbinho será em um lugar que lhe é muito especial. A disputa do surfe de Paris-2024 ocorrerá no Taiti, na Polinésia Francesa, ilha paradisíaca no Oceano Pacífico, justamente onde ele percebeu que ainda era o moleque atrevido de sempre, aquele moleque que, adolescente, foi escondido da família para o mar, surfar ondas enormes em Bali, na Indonésia.

“Não teria graça se eu mudasse o meu jeito de ser. Ainda sou o mesmo garoto. Em abril, eu tive a oportunidade de surfar ondas de consequência, mares de consequência”, afirmou, referindo-se àquelas condições em que há risco maior. “Aí eu vi que faz parte de mim, não foi a lugar nenhum.”

Evangélico, Chianca disse que chegou a se afastar da sua fé quando perdeu o controle de seu pé esquerdo. Encontrou-se, nas suas palavras, “com os pés no chão, com amor, com os familiares, com os amigos, ao redor de uma energia positiva”.

“Nada como um dia após o outro. É muito doido. Mesmo que você passe por momentos difíceis, eu acredito que dia após dia as coisas vão começar a melhorar. Foi assim. Eu me afastei da minha fé e muitas vezes eu duvidei de mim. Mas nada como um dia após o outro, e eu realmente percebi que sem a minha fé eu não conseguiria seguir em frente”, afirmou.

Fora da liga mundial por causa da lesão, Chumbinho foi liberado pelos médicos e participou, como convidado, da etapa de El Salvador. Avançou até as quartas de final e foi derrotado pelo compatriota Gabriel Medina, outro que estará nos Jogos Olímpicos.

“Eu tenho treinado bastante, de uma forma consciente e consistente. E não tenho precisado parar por nenhuma dificuldade motora. Falando especificamente de El Salvador, eu me senti muito bem nas baterias. É um ponto positivo, porque é um lugar de muito calor e uma onda muito longa. Então, a gente remava muito e surfava uma onda realmente muito longa, em um calor extremo”, descreveu.

Assim, apesar da probabilidade “distante, inviável, duvidosa”, Chianca estará nos Jogos de Paris -assim como sua namorada, Luana Silva. Sua trajetória até o Taiti -que inclui uma espécie de renascimento no próprio Taiti, em 2022, após o rebaixamento à segunda divisão do Mundial- é retratada em um documentário patrocinado pela Red Bull, disponível no site da empresa de bebidas energéticas.

O filme mostra o sofrimento de Chumbinho, o pavor provocado pelo acidente em seu irmão, Lucas Chumbo, craque na modalidade das ondas gigantes, e uma “oportunidade”, palavra repetida por João a cada três frases.

“Eu me sinto com uma oportunidade de ter maturidade e sair dessa muito mais forte”, disse, certo de que há um propósito em sua recuperação. “É muita bênção! É uma vontade muito maior do que a nossa, em si, muito maior do que carne e osso. É realmente uma coisa espiritual. É uma oportunidade muto boa.”

Chumbinho promete ir ao Taiti como Chumbinho, o moleque que surfava escondido as ondas mais desafiadoras. Ele não tinha certeza de que ainda é esse moleque. Agora, tem.

“A gente quer voltar como uma pessoa diferente, mas não quer perder nossas raízes”, explicou.

“Quem eu sou não sumiu. Isso não mudou.”

MARCOS GUEDES / Folhapress

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