Chicana retardou investigação de juiz que questionou urnas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois processos no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra o juiz federal Eduardo Luiz Rocha Cubas, aposentado compulsoriamente em abril, tiveram tramitação embaraçada durante cinco anos.

O primeiro tem origem em 2017. Cubas questionou a segurança das urnas eletrônicas, em gravação com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) diante do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O vídeo foi divulgado no YouTube. Cubas foi afastado cautelarmente pelo CNJ em 2018. Voltou ao cargo em 2019 por decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello.

O mito da urna eleitoral vulnerável a fraudes ajudou a eleger Jair Bolsonaro (PL) presidente em 2018 e estimulou o clima que levou aos atos golpistas em 8 de janeiro.

O segundo processo, instaurado em 2021, tem origem no apoio à indicação de Abraham Weintraub para um cargo no Banco Mundial. Weintraub é o ex-ministro da Educação de Bolsonaro que, em reunião de governo, afirmou: “Eu por mim colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF [Supremo Tribunal Federal]”.

Cubas presidia a minúscula Unajuf (União Nacional dos Juízes Federais do Brasil), em Goiás. O CNJ ainda aguarda sua defesa prévia.

A apuração no CNJ atravessou as gestões de Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Continua com Luís Roberto Barroso. Teve vários relatores.

O juiz afastado da toga disse à Folha de S.Paulo que é grato pela decisão do CNJ, pois agora é advogado. Ele obteve registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Distrito Federal em setembro último.

Antes disso, Cubas tinha outros planos: pretendia virar ministro do STF.

Em agosto de 2020, enviou ofício a Bolsonaro, como “primeiro interessado” na “vaga decorrente da vindoura aposentação do ministro Celso de Mello”. Disse que foi motorista do ministro e acenou “com a possibilidade de ocupar o banco de trás agora”.

“O juiz federal Eduardo Cubas não trabalhou comigo, no STF, nem como motorista do veículo oficial que me atendia nem em qualquer outra condição funcional”, afirma o decano aposentado.

Àquela altura, o então juiz federal tinha proximidade bastante conhecida com uma pauta cara ao bolsonarismo.

No dia 11 de setembro de 2018, Cubas foi ao quartel-general do Exército, em Brasília, para entregar ofício de uma ação popular. Seu objetivo era comunicar que pretendia apreender urnas eletrônicas a serem periciadas pelo Exército dois dias antes das eleições.

Cubas estava de férias. Dias depois, foi a reunião no Comando do Exército, que queria “compreender melhor a demanda”.

Está nos autos do CNJ: “O magistrado compareceu ao encontro, porém, ao invés de levar a decisão já proferida (e pública, portanto), entregou aos militares uma minuta e os induziu a acreditar que a decisão ainda seria prolatada”.

“Ocultou dos oficiais a existência de liminar já prolatada, pois queria obter o apoio daquela Força, mas não desejava que a ré (União) soubesse do conteúdo do ato até a véspera das eleições”.

Sete oficiais do Exército foram ouvidos no processo disciplinar.

O relator Mauro Martins disse que a “decisão teratológica” do juiz “contribuiu para que uma parcela considerável da sociedade passasse a desconfiar das urnas eletrônicas”. O conselheiro ligou a conduta de Cubas ao vandalismo do dia 8 de janeiro.

“Em nenhum minuto eu estive lá no Exército com a propensão de dar uma decisão judicial, porque a decisão já estava nos autos”, afirmou Cubas no interrogatório.

O revisor, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, criticou o escárnio e “o tom de deboche”. Citou os vários atestados médicos “juntados às vésperas das audiências designadas com semanas de antecedência”.

Em defesa prévia, Cubas afirmou: “Este magistrado estava com a razão, mas a intromissão do CNJ na atuação do Poder Judiciário impediu a regular tramitação do feito [processo].”

Cubas blefou desde o primeiro requerimento. O ex-juiz é jogador de pôquer em torneios na internet. Em 2018, pediu o adiamento de sessão que confirmaria seu afastamento liminar. Alegou que estava “acamado e sem condições de apresentar sustentação oral”. Repetiu o truque várias vezes.

“Nunca vi um juiz tão desequilibrado”, disse o conselheiro Henrique Ávila.

Cubas afirmou na época: “[Eu] poderia estar sendo representado por advogado, mas pelo conteúdo deste processo não vejo a menor necessidade de gastar meu salário nesse processo, pelo seu caráter surreal”.

Depois, outorgou procuração ao advogado Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça.

Em 8 de maio de 2020, o então relator Luiz Fernando Tomasi Keppen registrou nos autos que Aragão havia pedido, em caráter pessoal, o adiamento de audiência virtual. Ele alegou isolamento social; sua residência não possuía condições técnicas para videoconferência e seu escritório estava em reforma. Único advogado no processo, disse que “não haveria urgência no ato”.

Keppen indeferiu. Sugeriu que participasse da audiência pelo celular. O ato foi adiado, para garantir a ampla defesa.

Em 19 de outubro de 2021, Keppen registrou o “quarto pedido de adiamento apresentado, mais uma vez, à véspera do interrogatório do acusado, acompanhado de atestado médico”. Rejeitou o pedido.

Em 26 de janeiro de 2022, Mauro Martins pediu para o TRF-1 confirmar se havia sido realizada perícia do juiz por junta médica (o tribunal chegou a informar que não conseguia localizar o juiz). Em maio, Martins designou audiência do general de Brigada Ricardo de Castro Trovizo (testemunha requerida pela acusação), além de Cubas e três servidores da vara.

Na sessão que puniu o juiz, Aragão disse que não havia nada de errado em Cubas notificar uma autoridade militar no QG. O corregedor nacional Luis Felipe Salomão disse que “a defesa ainda tenta colorir a atividade do magistrado.”

Cubas indicou como testemunhas Jair Bolsonaro, Dias Toffoli, Humberto Martins, Maria Tereza de Assis Moura, Eduardo Bolsonaro, Abraham Weintraub, Jayme Martins de Oliveira Neto e Candice Lavocat Galvão Jobim. Os Bolsonaros foram indeferidos, “por serem irrelevantes para a análise dos fatos”; Toffoli, Martins e Candice, conselheira do CNJ, “por serem julgadores”.

Candice foi vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil). Cubas pretendia demonstrar “a identidade de sua atuação institucional na Unajuf”.

A Unajuf foi solidária com a greve dos caminhoneiros e concedeu medalha a Wilson Witzel pela “defesa dos direitos humanos”. O ex-governador do Rio foi denunciado à ONU e à OEA pelo recorde de mortes em operações policiais. Cubas defendeu a presença do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, num palanque ao lado de Bolsonaro -ambos sem máscara anti-Covid.

A Unajuf foi criada em 2014, quando Cubas perdeu a eleição para a presidência da Ajufe.

Salomão disse que o juiz usou “uma associação de fachada”.

OUTRO LADO

Por email, Eduardo Cubas disse que tem profundo agradecimento pela decisão do CNJ e “imenso respeito pela corte, pois agora é advogado.” Afirmou que “nesses processos, as nulidades são coisas do passado.”

“O processo teve a duração razoável, como deveria ter,” acrescentou.

Sobre o apoio a Abraham Weintraub, a defesa afirmou que “ficou claro na instrução que se trata de ato associativo que contou com o voto de todos da diretoria [da Unajuf]”.

Nos autos, Cubas disse que, uma vez condenado à aposentadoria compulsória, não faria sentido o prosseguimento do processo disciplinar para “reaposentá-lo”.

Eugênio Aragão não se manifestou sobre as razões finais.

FREDERICO VASCONCELOS / Folhapress

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