BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O mesmo sentimento de milhares de paulistas há dias sem energia elétrica foi compartilhado por chilenos em agosto, quando 60 mil ficaram mais de uma semana no escuro na região metropolitana de Santiago. O que une os dois grupos de clientes, além do transtorno, é a empresa que tem a concessão elétrica: a multinacional italiana Enel.
A empresa agora na mira do debate público no Brasil também atua em ao menos outros sete países da América Latina. No Chile, ganhou protagonismo recentemente: alvo de críticas do governo do presidente Gabriel Boric, foi rechaçada pela população em pesquisas de opinião pública e, agora, pode ser retirada da concessão elétrica.
Há pouco mais de um mês, em decisão de primeira instância que foi considerada histórica, um tribunal de Santiago condenou a Enel a pagar indenizações a 127 mil clientes que, juntas, somavam 8 bilhões de pesos (cerca de R$ 48,3 milhões).
O caso está relacionado a um enorme apagão no Chile entre 29 de janeiro e 2 de fevereiro de 2021, que deixou milhares de clientes sem eletricidade em Santiago e nos arredores. Cabe recurso à decisão tomada após uma ação movida pelo Serviço Nacional do Consumidor chileno, mas a decisão foi celebrada.
Os conflitos com o poder público foram se acumulando. Também em agosto, a Superintendência de Eletricidade chilena multou a Enel em cerca de 4 bilhões de pesos (R$ 24,1 milhões) por problemas na distribuição de energia após fortes chuvas no mês de maio. O órgão disse que a multinacional prestou informações equivocadas na crise.
A situação escalou a ponto de a multinacional entrar na mira de Gabriel Boric. O presidente declarou que sua gestão está avaliando a derrubada da concessão do setor elétrico, um monopólio natural, à Enel. O contrato com a empresa é por tempo indefinido.
Na ocasião, o mandatário do país disse que há uma “grave ineficácia” de companhias elétricas que afetou não apenas a capital Santiago como também ao menos outras cinco grandes regiões.
Na mesa de debate chegou a aparecer a possibilidade de estatizar parte da distribuição da energia elétrica, uma ideia ventilada pelo ministro de Energia, Diego Pardow, para quem seria mais seguro para a sociedade ter parte do serviço sob a alçada de uma estatal. Mas a oposição de outros ministros fez a ideia ser apagada da discussão.
Os casos foram se somando e, em recente pesquisa de opinião pública do instituto Cadem, o mais conhecido do país, 63% dos respondentes afirmaram estar de acordo com a ação do governo de iniciar a análise do fim da concessão. Outros 33% disseram acreditar que a medida é exagerada.
Também em setembro passado, a Superintendência de Eletricidade voltou a notificar a Enel por supostamente não cumprir as regras de distribuição de energia para ao menos três pessoas que dependem de aparelhos elétricos para respirar. Os três usuários morreram durante a primeira semana de agosto, quando 20% do país viveu um apagão.
De acordo com a superintendência, a Enel “não entregou os equipamentos de ajuda requeridos a dois dos três pacientes que morreram, descumprindo obrigações estabelecidas pela concessão”. Alguns desses usuários ficaram sem energia por quase dois dias e meio.
AÇÕES DA EMPRESA NO PERU VÃO PARA A CHINA
Ao norte do Chile, no Peru, a Enel também passou por transformações recentes. No país andino as participações acionárias da empresa foram vendidas neste ano para a Companhia da Rede Elétrica do Sul da China, empresa pública asiática, por US$ 3,1 bilhões (R$ 17,6 bilhões).
A importância da venda se dá ao olhar para o cenário mais amplo. A Enel era responsável por prover energia a pouco mais da metade da população de Lima. A outra metade correspondia à Luz del Sur, que em 2020 também foi comprada por uma estatal chinesa.
Sendo assim, praticamente 100% do mercado de distribuição de eletricidade da capital do Peru está em mãos chinesas, algo que chegou a ser criticado pela Sociedade Nacional de Indústrias do Peru.
O grupo afirma que o domínio chinês pode ferir o interesse nacional e que com certeza restringe a livre competição do mercado.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress