PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – É possível voar regularmente hoje de São Paulo para Pequim trocando de avião na África, no Oriente Médio, na Europa, com conexões que resultam em viagens de duração próxima ou até superior a 30 horas.
Daqui a um mês, em 28 de abril, a Air China passa a fazer o que está sendo avaliado como o voo mais longo com a mesma aeronave Boeing 787 e uma única parada, em Madri, na Espanha. Com isso, a viagem para Pequim cairia para 22 horas e 25 minutos.
Daniela Tassy, moradora da capital chinesa que chegou a produzir um vídeo mostrando a “saga” de uma viagem que fez, diz que ter uma alternativa assim “é ótimo”. “Eu sou de Andradina, no interior de São Paulo, ainda tenho que pegar um ônibus de dez horas.” Para ela, “ter voo mais rápido Brasil-China vai aquecer muito o turismo.”
Por outro lado, Andréa Pizzato, brasileira morando há mais de uma década no país, saudou o voo com uma parada e mesma aeronave como “o melhor”, mas lembra que havia “bem mais opções antes da pandemia”, que ainda não voltaram.
O anúncio da Air China é parte do esforço para reabrir o país aos visitantes estrangeiros. Nas ruas e no transporte público de Pequim e mesmo de Xangai, passado mais de um ano do fim das restrições para conter a pandemia, ainda é raro se deparar com não orientais. Os turistas ocidentais que já voltaram ficam mais nos bairros centrais, como Sanlitun.
Ao longo de 2023, o órgão nacional de imigração registrou 35,5 milhões de entradas e saídas de estrangeiros, 36% dos 97,7 milhões registrados em 2019, o ano anterior à chegada da Covid-19.
A recuperação ainda lenta do turismo, inclusive de negócios, levou a uma série de iniciativas de estímulo, da ampliação dos voos à derrubada de exigências burocráticas para a entrada no país.
Mais para o final do ano, caíram a comprovação de vacina e em seguida a declaração de saúde, que tanto exasperavam os visitantes, e os processos para a solicitação de visto foram simplificados ainda que não o bastante, pelos relatos ouvidos.
Os aplicativos de pagamento WeChat e Alipay, que substituem o dinheiro no dia a dia do país, passaram a aceitar a vinculação com cartões de crédito estrangeiros. Sob estímulo governamental, o próprio papel-moeda voltou a ser mais aceito, inclusive por taxistas.
A ação considerada mais significativa veio aos poucos, com a derrubada da exigência de visto para visitas de até 15 dias de um número crescente de países, quase todos europeus. A permissão é dada sem exigir reciprocidade do país favorecido (como já fez também o Brasil, nos governos Jair Bolsonaro e Lula).
Começou com a Noruega, em novembro. Em dezembro, Alemanha, França, Itália, Holanda e Espanha, mais a Malásia, no Sudeste Asiático. Em seguida vieram Tailândia e Singapura, mas nesses caso houve reciprocidade. Há duas semanas foram acrescentados Irlanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Áustria e Hungria.
Ao anunciar estes últimos seis europeus, o chanceler Wang Yi descreveu a medida como uma maneira de “fazer os amigos estrangeiros se sentirem em casa na China”.
A alemã Hannah Eywezo, questionada em Sanlitun, contou que aproveitou a isenção do visto para uma visita de 12 dias ao irmão, que trabalha em Pequim. Sobre a desburocratização na entrada, comentou: “Foi fácil! Desta vez foi realmente fácil.”
Vozes na imprensa e nos “think tanks” (centros de estudo) chineses agora defendem que o visto seja derrubado também para os Estados Unidos, a começar dos jovens, com o argumento de ser uma forma de se contrapor à sinofobia ruidosa de grande parte dos políticos americanos.
Ainda não há perspectiva de que venha a acontecer, até porque Washington vem resistindo à retomada de mais voos entre os dois países, como quer Pequim. Também não se espera para logo que a derrubada do visto chegue aos brasileiros.
No caso de turistas americanos e de viajantes a negócios, outras exigências deixaram de ser feitas a partir de janeiro, como a de apresentar comprovação de convite ou reserva de acomodação e do voo de retorno.
Com o acúmulo das medidas, os sinais de recuperação seguem evoluindo. Nos primeiros meses deste ano, o volume de entradas e saídas de estrangeiros já alcançou 41,5% do que era registrado no mesmo período, antes da pandemia.
Diante da presença maior de alemães e outros europeus, observada sobretudo nos feriados do Ano Novo Chinês, no início de fevereiro, a avaliação governamental é que a ferramenta mais eficaz tem sido não exigir o visto.
O esforço para trazer os visitantes de volta não tem propósito só econômico. O líder chinês Xi Jinping vem afirmando que o maior intercâmbio permitiria reduzir os conflitos crescentes, sobretudo com europeus e americanos.
Wang, o chanceler, passou a defender que os países beneficiados façam o mesmo. “Nós esperamos que mais países ofereçam isenção de visto aos cidadãos chineses e trabalhem conosco para encorajar a retomada acelerada dos voos de passageiros”, disse. O próprio Xi parece disposto a dar o exemplo. Em maio ele vai à França, em sua primeira viagem à Europa em cinco anos.
NELSON DE SÁ / Folhapress