PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Há duas semanas, uma proposta pela qual o economista Li Daokui vinha se batendo há um ano, de estímulo estatal direto ao consumidor na China, foi parar nas páginas do China Daily e do Diário do Povo, jornais de referência do Partido Comunista.
“Quando comecei a propor, poucas pessoas ecoaram”, diz ele. “Mas nos últimos meses mais e mais colegas economistas começaram a apoiar. E a mídia recentemente relatou minha proposta, que está aos poucos se tornando um consenso. São sinais de que está se aproximando da implementação.”
Ele defende que no feriado de uma semana em torno do Dia Nacional, 1º de outubro, Pequim banque um quinto dos gastos de cada chinês nas compras. Chamada de Golden Week, é um dos marcos anuais do comércio. Seriam aplicados pelo menos 1 trilhão de yuans (perto de R$ 800 bilhões).
Falta só um mês, mas ele não vê problema. “No curto, no curtíssimo prazo, o cupom de consumo seria útil”, defende. “Deixe-me explicar com cuidado: ele só pode ser usado quando os consumidores usam seu próprio dinheiro. Se você gasta mil yuans, serão pagos 200, em copagamento. É estímulo ao consumo”.
Professor da Universidade Tsinghua, onde o líder Xi Jinping se formou, Li foi destacado na imprensa do partido como diretor do Centro de Prática e Pensamento Econômico Chinês da instituição, “think tank apoiado” pelo regime. Economistas ocidentais já cobravam incentivo ao consumo, mas agora é alguém confiável.
Ele tem outras sugestões no curto prazo. “Muitas restrições à compra de bens de consumo devem e podem ser suspensas”, diz, apresentando o exemplo prosaico das motocicletas, que são raras até em Pequim, com 22 milhões de habitantes. Em cerca de 140 cidades do país, segundo ele, não são nem permitidas.
“Os consumidores não podem comprar uma motocicleta. Você consegue imaginar isso no Brasil? Acabei de ir para São Paulo e Rio, onde há muitas. Em cidades como Pequim, elas podem ser compradas. No entanto, a placa é super cara. Há uma quantidade fixa, creio que cerca de 20 mil. O preço da placa é quase tão caro quanto uma Goldwing, a moto mais cara da Honda.”
Questionado por que Pequim resiste tanto em fornecer estímulo direto aos consumidores, diz que isso se deve em parte à visão de que, se forem subsidiadas, as pessoas “ficarão preguiçosas, dependentes das políticas”. É toda uma “mentalidade” influenciada pelas reformas de Margaret Thatcher (1925-2013) nos anos 1980.
Desde então, na China, “sempre se acreditou que a economia deveria ser estimulada pelo lado da oferta, não pelo lado do consumo”. Isso agora está mudando “porque, como dizemos aqui, a realidade é o melhor argumento, e a realidade é que a economia chinesa é arrastada para baixo pela falta de consumo”.
Daí a necessidade de estímulo à demanda. Ele volta a dar o Brasil como exemplo. “Nesse aspecto, somos muito diferentes da economia brasileira”, diz. “Na sua economia, vocês têm um consumo muito forte. Nós realmente admiramos os consumidores brasileiros.”
Segundo Li, os chineses são cautelosos demais ao comprar, sempre preocupados com o futuro, com a aposentadoria, se vão ficar doentes. “Querem economizar, se preparar para os dias chuvosos. Precisamos mudar essa mentalidade. Quando não há demanda, a economia, a renda, os empregos desaceleram. Isso se torna um círculo vicioso. Precisamos começar algo.”
Além das propostas mais imediatas, diz que, a longo prazo, é necessário aumentar a taxa de urbanização na China. “Isto é, achar uma maneira de permitir que mais pessoas venham morar nas cidades e tragam as suas famílias. Quando vivem nas cidades, têm mais incentivos para gastar.”
Cita outra lição que trouxe da viagem ao Brasil no início de julho. “No Rio, você tem muitas pessoas vivendo nas montanhas. Não são pessoas de alta renda, mas elas vivem na cidade. No entanto, na China, não temos isso. Nós precisamos relaxar.”
Questionado, abre uma exceção em sua defesa de incentivo à demanda para o setor imobiliário, em queda há pelo menos três anos. “É uma questão complicada. Não há necessidade de estimular a compra de moradia. Em vez disso, devemos nos livrar das restrições à compra.”
Antes de qualquer incentivo à aquisição de imóveis, a China precisaria derrubar regras como só permitir a compra por estrangeiro após três a cinco anos morando em cidades como Xangai e Shenzhen. “Mesmo para quem tem autorização de residência em Pequim, a pessoa não pode comprar mais de duas.”
Ele detalha: “A taxa de urbanização brasileira é mais de 80%, enquanto na China é de 50%. Estou falando de pessoas que realmente vivem em cidades. Na China, você vê muitas pessoas que entregam encomendas, limpam prédios, motoristas. Eles trabalham, mas não vivem em cidades. Vivem em dormitórios. Eles não têm suas famílias vivendo com eles”.
Sobre o crescente protecionismo contra produtos chineses nos Estados Unidos, na Europa e até no Brasil, não parece preocupado. “A razão é que a economia global ainda está muito forte, especialmente a dos EUA, que está superaquecida. Então, a demanda por produtos chineses ainda está muito forte.”
Alerta porém que isso pode mudar em um ou dois anos, quando “o protecionismo global aliado à desaceleração da economia dos EUA e da europeia vai se tornar um problema para a China”. Daí sua proposta de estímulo ao consumo interno, como prevenção ao esperado desaquecimento americano.
Quanto às medidas protecionistas brasileiras, comentou que Pequim e Brasília negociarão para que sejam reduzidas. “Mais importante, muitos chineses mudarão suas fábricas para o Brasil. Produzirão e farão suas vendas. É importante para a economia brasileira, porque vocês terão as suas indústrias lá.”
Foi otimista também quanto à entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota, programa chinês para infraestrutura no exterior. “A China trabalhará para fazer isso acontecer, ambos os lados farão algumas concessões, negociarão”, diz Li, argumentando: “É um acordo ganha-ganha”.
NELSON DE SÁ / Folhapress