SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A China ampliou nesta quinta (29) o acesso às maiores reservas mundiais de lítio, na Bolívia. O metal é matéria-prima essencial para baterias usadas em aplicações como carros elétricos, e é disputado a tapa por grandes potências e megaempresas como a Tesla, de Elon Musk.
Em um lance digno da Guerra Fria 2.0 em curso com os Estados Unidos, os chineses aliaram-se à Rússia de Vladimir Putin e fecharam dois contratos bilionários para a exploração das reservas do metal, que seguem largamente intocadas sob os famosos salares do país andino.
A estatal de energia nuclear russa Rosatom e a empresa privada chinesa Citic Cuoan Gruop irão investir US$ 1,4 bilhão (R$ 6,8 bilhões) para a produção de carbonato de lítio -100 mil toneladas anuais do insumo a partir de 2025, segundo o ministro Franklin Molina (Hidrocarbonetos e Energia).
Em janeiro, a fabricante de baterias chinesa CATL havia selado um primeiro acordo, de US$ 1 bilhão (R$ 4,9 bilhões), para produzir 25 mil toneladas de carbonato de lítio por ano no país. Em todos os casos, a estatal local faz parte da parceria com os sócios estrangeiros.
Em 2022, os bolivianos retiraram apenas 600 toneladas do metal. O país tem, segundo o Serviço Geológico dos EUA, 21 milhões de toneladas do produto em seu solo, cerca de 30% das reservas do mundo.
No ano passado, a Austrália dominou 47% do mercado, extraindo 61 mil toneladas. O vizinho de salares bolivianos Chile tem 30% do mercado (39 mil toneladas), sendo seguido por China (15%, ou 19 mil toneladas), Argentina (5%, ou 6.200 toneladas) e Brasil (1,7%, 2.200 toneladas). Ao todo, o mercado movimentou US$ 52 bilhões (R$ xx bilhões), e pode quadruplicar até 2030.
Isso mostra o potencial do negócio boliviano. O lítio é a riqueza mineral central do paupérrimo país, governador por Luis Arce desde 2020. Em 2019, disputas acerca de sua exploração estiveram subjacentes à crise que levou à renúncia de Evo Morales, do mesmo Movimento ao Socialismo de Arce, e à instalação do contestado governo de Jeanine Áñez, que hoje está presa.
Na campanha de 2020, Arce falava que “o golpe foi pelo lítio”, citando “transnacionais interessadas em sua privatização”. Ficou famoso o episódio em que Elon Musk, respondendo no Twitter a um comentário questionando se ele apoiaria um golpe dos EUA na Bolívia para tomar o produto para si, disse: “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”.
É o tipo de comportamento que alimenta a retórica da esquerda latino-americana há décadas, ainda que curiosamente a parceria com os rivais dos EUA na Guerra Fria 2.0 parece incomodar menos os brios nacionalistas bolivianos. O país lida com um passado difícil, com ciclos predatórios de exploração de prata e estanho por estrangeiros.
No Chile e na Argentina, outros integrantes do chamado Triângulo do Lítio, a exploração é privada.
Na prática, a China vai se consolidando como o principal ator estratégico do mercado. O país de Xi Jinping já tem cerca de 60% da capacidade de refino do mundo, além de 15% da produção anual. Com participação na mineração na Bolívia e outros países, deixa os EUA em posição secundária, apesar da inovação associada a empresas como a Tesla.
Até os anos 1990, os americanos eram os maiores produtores mundiais. A exploração privada das reservas do Chile deram a liderança ao país andino, que foi superado pela Austrália depois, devido ao fato de que a nação da Oceania explora o metal de rochas, não de salares -é um processo mais caro e mais poluente, mas que rende mais.
A presença dos russos é ainda mais incômoda para os EUA, que consideram a América do Sul seu quintal estratégico. Afinal de contas, Washington é rival direta de Moscou na Guerra da Ucrânia, apoiando militarmente o país invadido por Putin no ano passado.
Até aqui, o calo russo no pé americano na região é o apoio de Moscou à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, parceria que vem desde o tempo em que o país era governador por Hugo Chávez, morto em 2013. Os russos participaram ativamente do mercado de petróleo e gás venezuelanos, e equiparam as Forças Armadas do país.
A Rosatom, que já negociava a construção de uma usina nuclear na Bolívia, participará do negócio com US$ 600 milhões (R$ 2,9 bilhões) de sua subsidiária Uranium One Group. A estatal não sofre sanções econômicas do Ocidente devido à guerra, o que poderia atrapalhar outros negócios de La Paz, porque domina o mercado de combustível nuclear -16% do que os EUA consumiram em 2022 vieram dela.
Seu diretor-adjunto, Kirill Komarov, disse em nota que “há a possibilidade de aumentar a capacidade” de produção, e que o índice de aproveitamento do lítio nos salares fica acima de 80%.
IGOR GIELOW / Folhapress