Chitãozinho & Xororó mostram por que sertanejo entrou no Rock in Rio

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em 1985, Chitãozinho e Xororó estiveram na primeira edição do Rock in Rio. Já uma dupla com fama nacional àquela altura, eles ficaram impressionados com a estrutura de palco e a sonoridade da banda britânica Yes, de rock progressivo, e decidiram dali em diante encaminhar sua música na direção do rock.

Aquele movimento acompanhou o processo de urbanização das metrópoles brasileiras, e abriu caminho para uma transformação na música caipira. Na década de 1990, o sertanejo se popularizou ao ponto de, hoje, ser o gênero musical mais consumido do país.

Quase 40 anos depois, Chitãozinho & Xororó voltaram ao Rock in Rio –desta vez na condição de patronos da entrada do sertanejo no festival. Eles comandaram o show dedicado ao sertanejo na noite deste sábado (21), o penúltimo desta edição do evento carioca.

A apresentação teve uma baixa, Luan Santana, que cancelou sua participação horas antes de subir ao palco, devido ao atraso em todos os shows do “Dia Brasil”. Só com atrações nacionais, foi o único dia do festival a começar sem ter vendido todos os ingressos.

Também teve uma breve contribuição de Simone Mendes, que botou a plateia para cantar “Erro Gostoso”, seu hit arrasa quarteirão, mas saiu logo porque tinha um show para fazer em Minas Gerais. Esta foi a mesma razão do cancelamento de Luan Santana –no caso, para um show em Santa Catarina.

Até Ana Castela, muito aguardada por crianças que estavam na grade do palco Mundo acompanhadas pelos pais, não durou muito em cena. Ela cantou um trecho de “Nosso Quadro” e outro de “Solteiro Forçado” antes de deixar o palco –tinha um show para fazer em São Paulo.

Estrela pop do sertanejo, Castela é hoje a melhor ponte do estilo musical com as atrações que o Rock in Rio escala no festival. Baseada na música caipira, ela usa funk, música eletrônica, reggaeton e o pop americano na construção de sua persona artística.

Febre entre os jovens, bastou ela puxar, a capella, um trecho de “Pipoco” para botar o público para berrar. Foi evidente o movimento de pessoas deixando a plateia depois que ela saiu do palco.

Esse papel de ponte entre campo e cidade já foi de Chitãozinho & Xororó. Os irmãos paranaenses começaram cantando música caipira, derivada de estilos latinos como guarânia, vaneira e bolero e marcada pela sonoridade aberta e brilhosa da viola caipira.

Eles abriram o show com músicas dessa fase, as clássicas “60 Dias Apaixonado” e “Saudade da Minha Terra”. Em outra dessa leva, os anos 1960 e 1970, “Galopeira”, os irmãos botaram a plateia para se filmar tentando se segurar pelo máximo de tempo possível o grito no nome da música –prática comum nos shows deles e de outros sertanejos Brasil afora.

Chitãozinho & Xororó lembraram em falas ao público da “dificuldade de cantar música caipira” antes de puxar “Fio de Cabelo” –que marcou a primeira virada na carreira da dupla. “Quis o destino que chegasse às nossas mãos essa canção que mudou as nossas vidas”, disse Xororó. “As FMs passaram a tocar música sertaneja.”

“Fio de Cabelo” mostrou o potencial, aliás bastante previsível, de funcionar num palco do tamanho do Mundo, para uma plateia de dezenas de milhares de pessoas. O coro nessa música, como em várias outras do repertório da dupla, ecoou pelo Parque Olímpico, que também ficou iluminado pelos celulares. Foi assim em “Alô” e “Página de Amigos”, estas com Simone Mendes, e “Sinônimos”, esta com Ana Castela, entre outras.

O público para ver o show sertanejo –na verdade uma apresentação de Chitãozinho & Xororó com os convidados– era bastante numeroso, mas sem a urgência que os artistas internacionais geralmente trazem ao Rock in Rio. Como em outros shows deste “Dia Brasil”, era fácil caminhar pela plateia e chegar bem perto do palco sem esbarrar numa aglomeração mais densa.

De certa forma abandonados pelos convidados, em especial por Luan Santana, os irmãos tocaram sozinhos a maior parte do show. Protagonizaram momentos pouco prestigiados, como a parceria com o rapper Cabal em “Vida Marvada”, na religiosa “Se Deus me Ouvisse” e na sequência de pegada country com “A Gente Grita” e “Sistema Bruto”.

Também soou desnecessária a participação da Orquestra Sinfônica Heliópolis. Foi como se, para entrar no Rock in Rio, o sertanejo precisasse botar terno e gravata, quando na verdade o festival costuma ser mais pop e desleixado que a própria estética da dupla –já encorpada com guitarras, sanfona, baixo e bateria.

O show já estava um tanto arrastado quando Junior, filho de Xororó, ex-integrante da dupla com Sandy, subiu ao palco. Eles cantaram juntos “Nascemos Para Cantar”, música sobre o dom de cantar que parecia ter saído de um musical sertanejo feito pela Broadway.

O momento em família incluiu uma lembrança de Xororó do público pulando quando os filhos cantaram no festival há mais de 20 anos. Junior ainda cantou “Fome”, um pop de seu repertório solo que gravou em parceria com Gloria Groove.

Nos 40 anos desde que pisaram no Rock in Rio pela primeira vez, tanto Chitãozinho & Xororó quanto o festival mudaram bastante.

Hoje, não é neste evento que os fãs brasileiros buscam a vanguarda da produção de música popular ao redor do mundo –ou qualquer coisa parecida com isso. Na verdade, o Rock in Rio se tornou um evento carregado pela marca, e atrai muita gente que não liga tanto para música.

Em paralelo, o sertanejo também não é mais a música que olha para o rock ou para o pop em busca de inspiração e aceitação nos círculos urbanos. Com um circuito de shows bem estabelecido nos rodeios e domínio financeiro da programação das rádios, ele predomina na produção fonográfica brasileira.

Quanto ao show deste sábado (21), soou como uma entrada até tardia do sertanejo num espaço que hoje tem muito a ver com ele. O encerramento com “Evidências”, amplamente conhecida, cantada com estrondo pelas dezenas de milhares no Parque Olímpico, foi a prova óbvia disso.

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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