BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As defesas de Jair Bolsonaro (PL) e parte de seus aliados disseram que eles permaneceram em silêncio sobre o caso das joias em depoimento nesta quinta-feira (31) à Polícia Federal em Brasília.
O ex-presidente, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, os assessores Mauro Cid, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara e os advogados Frederick Wassef e Fabio Wajngarten foram à PF para falar sobre a investigação em torno de desvio, venda, recompra e devolução de presentes de alto valor recebidos pelo ex-chefe do Executivo de autoridades estrangeiras.
Ficaram em silêncio o casal Bolsonaro, Wajngarten e Câmara. Eles estiveram no local por cerca de uma hora e depois foram para a sede do PL. Já o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que chegou quase duas horas antes do horário combinado do seu depoimento, continuava depondo até as 17h.
O ex-braço direito de Bolsonaro está preso desde 3 de maio no Batalhão do Exército de Brasília. Desde que mudou seu advogado de defesa, adotou postura de maior cooperação com autoridades policiais e tem tido longos depoimentos. Na última segunda-feira (28), falou por 10h com investigadores sobre o caso do hacker Walter Delgatti Neto.
A justificativa de Bolsonaro e Michelle pelo silêncio é a de que o STF (Supremo Tribunal Federal) não tem competência para atuar nesta fase da investigação, com base em parecer da PGR (Procuradora-Geral da República). Desde o princípio da investigação, aliados dizem que cabe à PF em São Paulo investigar o caso.
“Desta forma, considerando ser a PGR a destinatária final dos elementos de prova da fase inquisitorial para formação do juízo de convicção quanto a elementos suficientes ou não a lastrear eventual ação penal, os peticionários [Jair e Michelle], no pleno exercício de seus direitos e respeitando as garantias constitucionais que lhes são asseguradas, optam por adotar a prerrogativa do silêncio no tocante aos fatos ora apurados”, diz a petição dos advogados Daniel Tesser e Paulo Bueno.
Já a defesa de Câmara, feita pelo advogado Eduardo Kuntz, disse “que o coronel Marcelo Câmara encontra-se absolutamente à disposição para prestar todo e qualquer esclarecimentos, todavia nos termos da petição apresentada existe manifestação da douta Procuradoria-Geral da República que não reconhece o presente local para tanto assim sendo, não se trata de permanecer em silêncio, mas sim prestar esclarecimentos nas esferas efetivamente competentes”.
Wajngarten, por sua vez, se queixa de não ter tido acesso à íntegra das mensagens trocadas entre ele e Cid, a respeito de joias, que levaram a PF a chamá-lo para depor nesta quinta-feira. Diz ainda que é advogado constituído por Bolsonaro nos autos.
Já Wasseff depôs, por videoconferência da sede da PF em São Paulo a investigadores em Brasília. Ele falou com jornalistas na entrada e na saída, mas não deu detalhes sobre o que disse aos policiais, argumentando que o inquérito corre sob segredo de Justiça.
“Estou sendo persgeuido por alguns jornalistas que não agem com compromisso com a verdade, e vem propagando fake news em série pra assassinarem imagem de inocentes”, disse Wasseff, que advoga por Bolsonaro no caso da facada de 2018 contra Adélio Bispo.
Acrescentou que jamais praticou qualquer irregularidade. “Não existe isso, chega de humilhação e perseguição”, completou.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Crivelatti.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a inclusão da investigação das joias no inquérito das milícias digitais no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, gera questionamentos sobre a competência da corte na apuração.
Especialistas em direito penal destacam que, devido ao sigilo, não há conhecimento sobre quais são os eventuais elementos de conexão entre as condutas dos alvos ou provas, o que justificaria a condução dessa apuração no STF.
O ex-presidente Bolsonaro não tem mais foro perante a corte, e o caso das joias era investigado desde março de forma sigilosa pelo Ministério Público Federal em Guarulhos, a pedido da Receita Federal, e pela Polícia Federal em São Paulo. Há duas semanas, a Vara Federal local enviou o caso ao STF.
A apuração da PF a respeito das joias é, até o momento, a mais preocupante para o entorno do ex-presidente, por aproximá-lo de um suposto esquema de desvio de dinheiro público, o que Bolsonaro nega.
Também é o caso em que o ex-mandatário terá de elucidar contradições em declarações anteriores, uma vez que ele já mudou, mais de uma vez, sua linha de defesa.
Todos os convocados para depoimento nesta quinta-feira são citados na investigação das joias que ocorre dentro do inquérito das milícias digitais no STF, sob relatoria de Moraes.
A determinação de depoimentos ao mesmo tempo ocorreu como uma forma dos investigadores de minimizar versões combinadas sobre os episódios. Além disso, Moraes proibiu a comunicação entre os investigados, com o mesmo objetivo.
Entre os presentes recebidos, há joias e relógios negociados nos Estados Unidos, segundo a PF. Depois, os objetos teriam sido alvo de uma “operação resgate” orquestrada por Mauro Cid e pessoas próximas ao ex-presidente.
O uso de uma aeronave da Força Aérea Brasileira para levar as joias e presentes aos Estados Unidos e as mensagens indicando o retorno do dinheiro oriundo de vendas para o bolso do ex-mandatário são até agora as principais informações reveladas pelos investigadores.
A PF quer saber de Bolsonaro até que ponto participou da operação e quanto lucrou com a negociação das joias e presentes. A defesa tem negado as irregularidades e colocou o sigilo bancário do ex-mandatário à disposição do STF após Moraes ter autorizado o levantamento dos dados.
Um dos argumentos utilizados por seus defensores é o de que os presentes eram itens personalíssimos quando recebidos e, portanto, não haveria irregularidade numa suposta venda.
Para a PF, Bolsonaro utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor e isso resultou em enriquecimento ilícito.
O depoimento desta quinta-feira é o quinto de Bolsonaro aos policiais neste ano. O ex-presidente já foi chamado a prestar esclarecimento sobre o caso das joias em outro momento, dos ataques golpistas de 8 de janeiro, da suposta fraude em cartão de vacina e das acusações do senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Ao autorizar a deflagração de ação pela PF sobre as joias, Moraes apontou a investigação do possível cometimento dos crimes de peculato e de lavagem de dinheiro.
Ambos ilícitos possuem penas altas e, em caso de uma eventual condenação, após trânsito em julgado, poderiam resultar em pena de prisão em regime fechado ou semiaberto.
No momento, não há nem sequer uma denúncia formal, e o caso ainda está em fase de investigação no decorrer da qual o enquadramento das condutas ainda pode ser alterado.
Uma prisão preventiva, por outro lado, não depende de condenação, mas só poderia ocorrer em caso de perigo para a investigação ou risco comprovado de fuga e em cenário em que outras medidas cautelares se mostrem insuficientes.
Previsto no Código Penal, o crime de peculato consiste no ato de apropriação, por funcionário público, de dinheiro, valor ou bem público ou particular de que ele tenha posse em razão do cargo. Fica configurado também quando há desvio desse bem em proveito próprio ou alheio. A pena prevista é de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.
Já o crime de ocultar a origem, localização ou propriedade de bens ou valores provenientes direta ou indiretamente de infração penal, pode levar a punição de 3 a 10 anos de reclusão, e multa.
A prisão em regime fechado ocorreria no caso de a pena total ser superior a 8 anos, enquanto pena superior a 4 até 8 anos poderia ser cumprida em regime semiaberto.
MARIANNA HOLANDA E JULIA CHAIB / Folhapress