BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid afirmou à Polícia Federal, em depoimento de mais de nove horas na segunda-feira (11), que não participou até o fim da reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com os comandantes das Forças Armadas em que os presentes teriam discutido um plano golpista.
Segundo pessoas com conhecimento do depoimento, o militar disse que participou somente da primeira parte do encontro, quando o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, teria apresentado um documento que detalhava uma série de supostas interferências do Judiciário no governo Bolsonaro.
De acordo com o que Cid disse aos investigadores, as acusações à Justiça foram apresentadas naquela reunião em formato de considerandos –parte inicial de decreto que busca dar legalidade ao ato presidencial. Um dos exemplos dados por Mauro Cid de fatos que seriam elencados no texto é a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de impedir a posse de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal.
O documento, segundo a versão apresentada por Cid, não continha na sequência um decreto nem medidas antidemocráticas, como a prisão de ministros do Supremo.
Cid afirmou que Bolsonaro pediu para que a segunda parte da reunião fosse somente entre ele e os então chefes militares: Freire Gomes (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Baptista Júnior (Aeronáutica).
Segundo relatos, foi nesse momento que o então presidente teria sondado os comandantes sobre o apoio da caserna a possíveis ações golpistas a serem realizadas diante das supostas interferências do Judiciário.
Mauro Cid disse aos investigadores que, como não participou de toda a reunião, não saberia dizer com precisão como cada um dos chefes militares reagiu à sondagem do então chefe do Executivo.
Ele reforçou, porém, que relatos repassados a ele e mensagens que circulavam nos meios militares diziam que Garnier teria colocado a Marinha à disposição de ações golpistas.
De acordo com a versão do tenente-coronel, Garnier vinha dizendo que havia cerca de 700 homens a postos em Brasília. Cid contou não ter ouvido do próprio chefe da Marinha essa versão.
O depoimento de Mauro Cid é sigiloso e sequer a defesa do militar tem acesso ao documento com a íntegra do que ele relatou à Polícia Federal. Advogados de outros alvos têm dito que investigadores usam os vazamentos de trechos dos depoimentos para reforçar narrativas.
O tenente-coronel depôs pela quarta vez à Polícia Federal no âmbito da delação premiada que firmou em setembro de 2023 com a PF. A oitiva durou cerca de nove horas e, segundo relatos feitos à Folha de S.Paulo, boa parte do tempo foi dedicada à confirmação do que Cid já havia falado aos investigadores nos encontros anteriores.
O militar disse no depoimento de segunda que enviava mensagens com frequência para o então comandante do Exército, general Freire Gomes, enquanto Bolsonaro sondava auxiliares e aliados políticos por um apoio à ruptura democrática.
Os contatos passaram a ser mais frequentes em meados de novembro, quando a cúpula militar tentava descobrir quem do Palácio do Planalto vazava informações internas da Força e orquestrava ataques à reputação dos generais contrários ao golpe –chamados de “generais melancias” nas redes sociais, em falsa referência de que os militares seriam comunistas.
Mauro Cid também alegou aos investigadores que reuniões apontadas como golpistas no relatório da PF que embasou a operação Tempus Veritatis eram, na verdade, encontros de amigos militares.
No relatório, a Polícia Federal diz que, em 28 de novembro de 2022, Bolsonaro participou de reunião com outros militares com formação em forças especiais. Segundo mensagens trocadas entre Cid e o coronel Bernardo Romão Correa Neto, o encontro seria entre os militares que atuavam como assistentes de generais do Alto Comando do Exército.
Na versão apresentada por Cid, o encontro no fim de novembro não foi para tramar um golpe de Estado e só ocorreu porque o Alto Comando do Exército se reunia em Brasília naquela semana. Os coronéis assistentes dos generais, portanto, estavam na capital federal.
Como há divisões dentro do Exército e rivalidades entre os forças especiais e os precursores (outra especialização na carreira), os militares costumam participar de encontros separados.
Naquele caso, segundo disse Cid aos investigadores, havia insatisfação nas fileiras militares com a vitória eleitoral de Lula (PT). Por isso, o tema foi conversado entre os oficiais, mas sem, de acordo com a versão do tenente-coronel, configurar um planejamento de um golpe de Estado.
A delação foi acertada enquanto a PF avançava sobre suspeitas de Cid e seu pai, o general Mauro Lourena Cid, terem vendido joias recebidas por Bolsonaro como presentes de Estado para o ex-presidente ficar com o dinheiro.
Quando fechou a delação, Mauro Cid também se dizia disposto a colaborar com a investigação da PF sobre a fraude no cartão de vacinação que o militar teria feito para permitir que familiares e Bolsonaro pudessem viajar aos Estados Unidos mesmo sem terem sido imunizados contra a Covid-19.
As investigações, porém, avançaram em outro sentido. O foco passou a ser as discussões que Bolsonaro e aliados teriam feito para tentar evitar a posse de Lula.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress