SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cid Moreira, morto nesta quinta-feira aos 97 anos, evitava se envolver na produção do Jornal Nacional, da TV Globo e do qual foi o primeiro apresentador, e usou sua voz com criatividade em projetos anteriores e posteriores ao noticioso.
Antes de figurar na bancada do JN, o jornalista e locutor já tinha participado de gravações de jingles e spots, textos publicitários inseridos entre os programas, além de programas de auditório e de radionovelas.
Foi locutor do Canal 100, famoso cinejornal, espécie de noticiário exibido antes dos filmes nos cinemas narrou mais de 500 episódios, até a década de 1970. Também passou pelas rádios Bandeirantes e Mayrink Veiga, além da TV Rio.
Quando estreou no noticioso da Globo, Cid Moreira já tinha no currículo um telejornal reconhecido pela criatividade e inovação, o Jornal da Vanguarda, elaborado para a TV Excelsior por Fernando Barbosa Lima, um dos maiores criadores de programas de televisão.
O Jornal da Vanguarda era um “show de notícias”, com desenhos de Borjalo e Millôr Fernandes, crônicas de Stanislaw Ponte Preta, Ibraim Sued e outros. Cid fazia um resumo das notícias e já treinava um tom menos empolado do que o tradicionalmente usado no rádio, em que havia uma pronúncia famosa por prolongar os “erres” e os “esses” das palavras.
Seu irmão Célio, também locutor do programa na Excelsior, seria depois contratado pela Globo e, em 1969, indicaria Cid para substituir Luís Jatobá no Jornal da Globo, àquela época um telejornal de 15 minutos, exibido às 19h45. Meses depois da entrada de Cid, que dividia a bancada com Hilton Gomes, o Jornal da Globo daria lugar ao JN.
Desde o começo, Cid optou por não se envolver na produção do telejornal, não escrevia textos e nunca produziu uma reportagem. “Intelectuais são os redatores”, ele dizia. “A mim cabe apenas colocar em prática o que mais gosto de fazer, que é dar vida, humanidade e emoção às palavras”, declarou em sua biografia.
Cid gostava mesmo era de atuar na frente, e não por trás das câmeras. Costumava chegar ao estúdio pouco antes de o JN ir ao ar, e houve ocasiões em que, em razão do trânsito ou de outro imprevisto, deixou Alice-Maria, famosa editora e diretora do telejornal, desesperada com a demora. Mais de uma vez chegou ao estúdio, sentou à bancada e apertou o nó da gravata segundos antes de entrar no ar.
Esse perfil acabou, de certa forma, influenciando a sua saída do JN, em 1996, quando foi substituído por William Bonner e Lilian Witte Fibe. Com os novos apresentadores, que eram jornalistas e se envolviam diretamente na produção do noticiário, fazendo inclusive reportagens e entrevistas, o JN deixava para trás a fase dos locutores.
Quem também deixou a bancada do JN nessa troca foi Sérgio Chapelin, o mais longevo parceiro de Cid Moreira no telejornal, ao seu lado por 12 anos Cid dividiu a apresentação do telejornal com outros nomes, entre eles Celso Freitas.
Cid ficou “meio sem chão” ao sair do Jornal Nacional. Mas se manteve no Fantástico, e, em 1999, fez sucesso narrando a série Mister M, em que um mágico revela como são feitos os truques.
Foi nessa época que passou a se dedicar à gravação de salmos bíblicos e do Novo Testamento em CD, que vendeu mais de 30 milhões de cópias. Durante seis anos, fez a gravação de toda a Bíblia, lançada em 2001, quando Cid tinha 73 anos. Para esse trabalho, que dizia ser a sua maior obra, consultou pastores, um ex-padre e um teólogo. Queria entender o significado dos textos bíblicos para interpretá-los.
Essa atuação o aproximou de evangélicos gravou até um CD com a cantora gospel Aline Barros, mas Cid afirmava não ter uma religião. Era cristão convicto, e orava todas as manhãs, além de meditar e tomar suco detox. Era vegetariano desde os 30 e sempre cultivou hábitos saudáveis.
LAURA MATTOS / Folhapress