Cidade de São Paulo tem 25 mil pessoas na fila para prótese dentária

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A dona de casa Rosângela da Conceição Araújo, 49, moradora no Jardim Princesa, na Brasilândia, zona norte de São Paulo, teve metade dos dentes removidos entre abril e maio deste ano. No local de uma das extrações, restou um fragmento.

Em 27 de junho, ela passou em consulta com um dentista da UBS Jardim Carombe, também na Brasilândia. O profissional a orientou a retornar em agosto para a retirada do pedaço de dente.

Ela também soube que seria posta em uma fila para receber uma prótese, sem previsão de atendimento e com tempo de espera longo.

Segundo a SMS (Secretaria Municipal da Saúde), ao todo, 25.083 pessoas aguardam em fila para a confecção de prótese dentária na capital. Em setembro de 2020, havia 82.134.

A reportagem solicitou à secretaria da gestão Ricardo Nunes (MDB) a quantidade de pacientes nesta fila, de 2019 a 2022, no mesmo período de 2023. Porém, até a publicação deste texto, a pasta não havia respondido.

“O que me deixa triste é saber que você terá que esperar muito tempo para voltar a comer. Restaram poucos dentes, então tenho dificuldade. Pela falta deles, já perdi um pouco a capacidade da mastigação”, afirma a dona de casa.

“O que me dói é ficar de baixo astral, perder a vontade de se olhar no espelho, ter vergonha de sair na rua e de conversar com as pessoas.”

Mário Cappellette Júnior, presidente da ABO-SP (Associação Brasileira de Odontologia – seção São Paulo), diz que a reposição do dente após a remoção deve ser imediata. “A falta do dente pode causar disfunção e comprometer a mastigação, alteração da fala e deglutição. Com o tempo, há a diminuição do alvéolo e um estreitamento —em largura e altura—, dificultando a reposição.”

A atendente de loja de conveniência Poliana Dias Santos, 41, sente dor em um dente e tem um buraco em outro. Seu nome consta na fila da triagem desde 2021. Há cerca de 20 dias, ela esteve pela última vez na UBS Jardim Aracati, na zona sul, onde é cadastrada. Lá, disseram que não havia vaga.

Em setembro do ano passado, os filhos dela, Alice e Miguel, haviam passado pela mesma situação —na época, aguardavam havia mais de um ano a triagem para início de tratamento dentário na rede pública da cidade de São Paulo. O problema foi solucionado após reportagem publicada pela Folha.

“Se a pessoa está há dois anos na fila e não consegue uma triagem é porque alguma coisa está acontecendo: desproporção entre oferta e demanda ou problema de gestão”, diz o médico sanitarista Walter Cintra Ferreira Junior, professor da FGV.

Em nota, a SMS afirma que, em março deste ano, atualizou a diretriz com novas orientações para que as triagens odontológicas ocorram entre 7 e 10 dias.

Em Cidade Tiradentes, na região leste, todas as unidades têm reclamações de pacientes que não conseguem nem passar pela triagem, segundo a contadora Sônia Aparecida Xavier Teixeira, 41, conselheira de saúde da UBS Ferroviários. Com frequência, o assunto é pauta do grupo de WhatsApp dos conselheiros.

O filho dela, Pablo Yuri Teixeira de Lima, 8, é um dos pacientes à espera. Sônia diz que tenta agendar a triagem desde setembro de 2022 e não consegue nem na UBS Ferroviários e nem no app Agenda Fácil.

Pablo precisa do atendimento porque seus dentes estão amarelados mesmo com a escovação correta. Além disso, a mãe quer prevenir problemas bucais futuros.

“Em abril, a única vaga disponível era para setembro e a data era no período da tarde, às 14h, horário que ele está na escola. Até para quem faz tratamento odontológico o retorno está demorado, de 60 a 70 dias”, afirma.

O aposentado Francisco Alves de Lima, 65, paciente da UBS Cidade Tiradentes I – Luis Maranhão, também está na fila. Ele está com um dente mole, o que causa irritação e incômodo para se alimentar, principalmente ao morder alimentos mais duros.

“Em 1993, sofri um acidente, tive fratura de mandíbula, extraí quatro dentes e precisei colocar aparelho. Uma presa ficou para fora. Ela está mole e precisa ser arrancada. O SUS cobre esse atendimento [odontológico], mas nunca tem vaga. Meu nome está na fila de espera faz uns dez anos”, relata Lima.

FALTA INVESTIMENTO, SEGUNDO ESPECIALISTA

Para Gilberto Pucca, professor do Departamento de Odontologia da Universidade de Brasília, ex-coordenador nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saúde (2003 a 2015), a implantação do programa Brasil Sorridente, em 2004, permitiu uma política de saúde bucal no SUS (Sistema Único de Saúde) e com ela o crescimento do acesso e a incorporação de profissionais.

O problema, afirma ele, é a falta de investimento em recursos humanos. “Não há plano de cargos e salários nacional para odontologia, e os salários são muito baixos. Aí o pessoal começa a sair da rede pública. O nó da questão é o profissional. Não adianta abrir serviço novo se não há gente para trabalhar”, afirma Pucca.

“Em São Paulo, há um diferencial: boa parte dos serviços de odontologia são feitos por OSS [organizações sociais de saúde]. O problema das OSS é que você cria vários empregadores dentro do mesmo município e cada um trabalha com um salário diferenciado”, finaliza o especialista.

Na avaliação de Walter Cintra, algumas especificidades tornam a odontologia mais complexa.

“A infraestrutura do consultório odontológico é mais complexa que a média dos consultórios médicos. Com a pandemia de Covid-19, a legislação sanitária mudou e obrigou que eles fossem mais individualizados e tivessem uma configuração mais segura, o que criou maior complexidade para a implantação deles”, afirma Junior.

“Precisa entender o problema para propor soluções. Por exemplo, se você identifica um gargalo numa determinada região, com um tipo de procedimento, eventualmente promover um mutirão pode ser uma solução. É necessário ter inteligência nas ações de planejamento e execução da saúde”, finaliza Junior.

Após a reportagem passar as reclamações à secretaria, os pacientes citados neste texto foram agendados para tratamento.

COMO INICIAR O TRATAMENTO DENTÁRIO NO SUS

Das 470 unidades básicas de saúde (UBS), 428 têm equipes de saúde bucal. Para iniciar o tratamento odontológico rotineiro, o paciente deve procurar a UBS mais próxima de sua casa e passar pela triagem.

Os atendimentos para alívio da dor são oferecidos em cinco prontos-socorros, um PA (pronto atendimento), três AMAs (Assistência Médica Ambulatorial) e 11 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).

Atualmente, a rede de saúde bucal paulistana conta com um Centro de Cuidados Odontológicos e 31 Centros Especializados em Odontologia, que atendem as demandas referenciadas pelas UBS.

As unidades podem ser localizadas por meio da plataforma Busca Saúde.

PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress

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