Cidade de São Paulo tem 72 cracolândias espalhadas por 47 bairros, de áreas nobres a periferia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mais famosa cracolândia de São Paulo —atualmente concentrada na rua dos Protestantes, no centro da cidade— está longe de ser a única aglomeração de dependentes químicos na capital paulista ou no estado.

Guardadas as devidas proporções como dimensões e população presente, o município possui 72 concentrações de usuários de drogas, classificadas pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) como “áreas de atenção”. Elas estão esparramadas por 47 bairros.

A Folha teve acesso exclusivo aos dados, que foram levantados pelo governo no início de 2023. Esse é o mapeamento mais detalhado sobre os locais de consumo de crack no estado —que ao todo, tem 160 cracolândias, divididas em 45 municípios (incluindo a capital).

Grande parte das cenas de uso de droga está na periferia da cidade de São Paulo. Agentes públicos apontaram 41 pontos, sendo 20 na zona leste, 14 na zona norte, seis na zona sul e apenas um na zona oeste, no Rio Pequeno. Em três, Jardim Santa Terezinha, Jardim São Carlos e Parque Maria Fernanda, não foi possível precisar a área exata, uma vez que há bairros com o mesmo nome em mais de uma zona da cidade.

O Parque Novo Mundo, na zona norte foi o bairro com mais incidências de pontos fora do centro, com quatro no total. Ele fica no encontro da rodovia Presidente Dutra com a marginal Tietê, em uma área rodeada por galpões. Duas favelas cortam a região, Funerária e Marcone.

Outros 15 pontos estão no centro: seis em Campos Elíseos, quatro em Santa Ifigênia, dois na Consolação e na Liberdade e um na Sé. Foram localizadas cracolândias também no Alto de Pinheiros e Pinheiros, áreas nobres na zona oeste.

Os dados foram obtidos pela reportagem após pedido via Lei de Acesso à Informação. A solicitação foi realizada para Secretaria da Segurança Pública em setembro de 2023. A reportagem esperou dez meses até receber os números, já que o pedido foi negado nas primeiras duas instâncias da gestão Tarcísio.

Quem determinou a divulgação dos números foi a Comissão Estadual de Acesso à Informação, colegiado que funciona como terceira e última instância e que se reúne em algumas datas ao longo do ano justamente para analisar pedidos negados pelos órgãos anteriores.

A reposta trouxe o nome das cidades e dos bairros com uso aberto de drogas, sem o endereço exato. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, responsável pelo levantamento, isso foi feito para “evitar a estigmatização de qualquer região específica”. A pasta diz que os dados são do início de 2023, mas não detalhou em qual data ele foi realizado.

Em sua resposta, a secretaria detalhou a metodologia utilizada no levantamento, baseado no modelo do Lecuca (Levantamento de Cenas de Uso em Capitais), projeto criado por pesquisadores da Unifesp.

A pasta explica que no caso da cidade de São Paulo, foram considerados pontos de atenção locais com a presença de no mínimo 15 usuários de droga por três dias. Já no interior do estado foi usado também uma segunda possibilidade: caso o município tenha mais de 30 dependentes químicos, mesmo que espalhados em mais de um ponto.

De acordo com a gestão Tarcísio, os bairros do centro são o principal ponto de atenção do poder público. Por isso, as ações são inicialmente aplicadas nas cracolândias que ficam na região. Quando elas são eficazes, são reproduzidas nas demais localidades. “Do levantamento inicial, até a formalização dessa resposta, diversas vias já foram requalificadas, seja pela ação das forças de segurança, seja por ações próprias das prefeituras, porém, ainda muito a fazer”, diz a nota.

Uma das concentrações fora do centro está no cruzamento das ruas José Pedro Roschel e rua Iraque, no Jardim Quintana, na zona sul de São Paulo. Um comerciante, que pediu para não ter o nome divulgado, disse que os dependentes químicos começaram a chegar ali durante a pandemia.

Segundo ele, equipes da prefeitura passam uma vez por semana para realizar a limpeza da área. Durante o dia há poucas pessoas, mas durante a noite a quantidade aumenta.

Já uma funcionária de uma loja na mesma via disse não se incomodar com a presença dos usuários, já que eles permanecem em um canto, sem incomodar o restante das pessoas.

No início do mês a reportagem passou pela via à noite e viu cerca de 30 pessoas aglomeradas. Por ser uma rua escura, lateral a avenida Senador Teotônio Vilela, foi possível ver a chamas que emanam dos cachimbos, situação típica do consumo de crack.

A mesma situação foi observada no canteiro central da avenida Inajar de Souza, na zona norte. Nos últimos dias usuários de crack têm se concentrado na praça dos Artesãos Calabreses, nos baixos do conhecido como Arcos do Jânio, com vista para a avenida 23 de Maio.

Para o professor de medicina da Unifesp Dartiu Xavier, o número de cracolândias no estado é assustador. Ele considera que a situação é reflexo das ações do poder público. “A experiência nos mostra que toda vez que há uma estratégia repressiva e não de acolhimento, esse é um fenômeno que acontece. Ou seja, se o indivíduo não pode viver ali sem ser punido ou incomodado, ele vai para outro lugar”, afirmou.

“Você não resolve esse problema [do uso de crack] quando você entra com a repressão, porque você não está reprimindo o tráfico, você está reprimindo o usuário”, disse ele. “É um equívoco básico isso. Um dos desdobramentos desse tipo de equívoco é a pulverização das cracolândias, espalha os pontos de venda e você não assiste a população que está em situação de sofrimento, a população em situação de rua”.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que o monitoramento de cenas de uso de drogas na cidade é realizado desde agosto de 2023, no distrito da Luz, com auxílio de voos diários de drones. “Em relação às outras cenas de uso de drogas são acionados os serviços da rede assistencial do município como saúde, acolhimento e assistência social”.

INTERIOR E GRANDE SP

Assim como a capital o interior e a Grande São Paulo também possuem cracolândias espalhadas por diversos bairros. Ao todo são 44 cidades onde houve registro de dependentes químicos aglomerados consumindo drogas.

São Bernardo e Guarulhos, ambas na região metropolitana, estão no topo da lista com oito pontos cada. No interior, Campinas possui sete endereços, sendo três no centro, e um ponto nos bairros Vila Industrial, Vila Formosa, Ponte Preta e Carlos Lourenço.

“Algumas cracolândias migram até para o interior. Mas é claro que o interior tem várias cidades de porte que tem população excluída e que acaba se formando sua pequena cracolândia”, disse Dartiu Xavier.

PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

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