RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A corrida nos últimos seis anos por obras no litoral no país projeta o uso de mais de “12 Maracanãs” de areia para alargamento de praias.
A estratégia é a mais defendida atualmente por parte dos oceanógrafos para mitigar a erosão costeira. Especialistas, porém, criticam seu alto custo de realização e manutenção, bem como apontam a existência de projetos limitados que podem gerar problemas ao longo do litoral no futuro.
Levantamento feito pela Folha de S.Paulo identificou 24 intervenções de grande porte realizadas entre 2018 e 2023 ou projetadas para ocorrer nos próximos anos.
Além das engordas de praia, que ganhou projeção nacional após as obras em Balneário Camboriú (SC) em 2021, há também a construção de espigões, estrutura rígida, geralmente de pedra, perpendicular à praia para reter areia.
As obras têm como objetivo mitigar a erosão costeira, que atinge cerca de 60% do país, segundo o livro “Panorama da Erosão Costeira no Brasil”, publicado em 2018. Miram também a ampliação de áreas de lazer e o desenvolvimento turístico das cidades.
“É uma corrida perigosa dos municípios. Esse tipo de empreendimento tem que ser muito bem estudado e não pode ser uma panaceia. Tem que ver o motivo da erosão e tomar procedimentos técnicos embasados, para não acontecer o que já vimos ocorrer em muitos lugares: gastar um dinheirão com uma engorda e não adiantar nada”, afirma Ana Paula Prates, diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente.
O uso da técnica de engorda de praia é antiga no país. O exemplo mais conhecido é a praia de Copacabana, no Rio, na década de 1970. Ela ganhou força em Santa Catarina no fim da década de 1990. Balneário Piçarras (SC) fez seu primeiro projeto em 1998. Balneário Camboriú realizou um plebiscito em 2001 aprovando a obra, executada 20 anos depois.
O oceanógrafo Antônio Klein, da UFSC, vê como positivo o crescimento do uso da técnica. Ele participou de pesquisas na década de 1990 para identificação de jazidas de areia para os projetos. “Melhor colocar areia na praia do que rocha ou concreto.”
Klein se refere às obras de enrocamento tradicionalmente feitas em casos emergenciais, como ressacas. As estruturas de pedras se espalharam pelo país para proteção da estrutura urbana das orlas, mas foram responsabilizadas por agravar a erosão costeira no médio prazo. Elas ampliam a força do impacto das ondas e, por consequência, aumentam a retirada de areia da praia o chamado “efeito reflexivo”.
“A alimentação de praia tenta reproduzir o ambiente e assim criando uma zonação morfológica e biológica, resgatando os serviços ecológicos que já não existiam mais”, disse ele.
O professor Paulo Pagliosa, do Núcleo de Estudos do Mar da UFSC, critica o fato das engordas de praia exigirem uma manutenção constante, com novas aplicações de areia ao longo do tempo.
“A ideia do alargamento da praia faz mais sentido para criar mais espaço para o turista consumir e para os políticos se beneficiarem. É uma obra efêmera, que exige manutenção sucessiva e bem cara. Mas há um aquecimento do mercado da engenharia nessa porção. Nossa crítica vem desse aproveitamento empresarial e político dessa solução”, disse ele.
A obra em Balneário Camboriú (SC) custou R$ 66 milhões, custeados por empresários locais. Jaboatão dos Guararapes (PE), que realizou o alargamento de praia em 2013, planeja nova intervenção ao custo estimado de R$ 70 milhões.
Klein afirma que é necessário um programa de monitoramento e planejamento para realimentação da areia. “Estes projetos de monitoramento e realimentação têm de estar no orçamento obrigatoriamente, pois, como toda obra, necessita de manutenção. Funcionam para o tempo planejado.”
Contudo, algumas obras do tipo já realizadas sequer executam seu projeto por inteiro.
Piçarras, por exemplo, fez a engorda com 800 mil m³ de areia em 1999, mas não construiu os espigões previstos para reter os sedimentos. As ondas praticamente acabaram com a alimentação realizada e nova obra foi feita em 2012. As estruturas de pedra foram erguidas e nova engorda foi realizada com apenas metade do volume projetado.
Algo semelhante ocorreu em Natal (RN) no projeto de ampliação da praia de Ponta Negra. O estado projetou realizar a alimentação artificial em 2013, mas, antes, construiu um enrocamento para proteger emergencialmente o calçadão da praia. A engorda acabou não sendo colocada, e a estrutura rígida que consumiu cerca de R$ 5 milhões acabou agravando a erosão.
As duas cidades agora fazem parte da lista de novos projetos a serem executados. Somados aos já realizados desde 2018, as intervenções previstas no país levarão à instalação de, no total, 24,5 milhões de m³ de nova areia na orla do país o equivalente a 12 vezes o volume do estádio do Maracanã. A estimativa de custo total chega a R$ 1,8 bilhão.
Ainda que viva um “boom” dessas obras, o Brasil movimenta um volume bem menor de sedimentos do que os Estados Unidos, cujo litoral tem o triplo de extensão do brasileiro. Lá foram usados na década de 2010 cerca de 36 milhões de m³ de areia por ano, em média, para ampliar ou manter alargamentos, segundo artigo apresentado na Conferência da Associação para Preservação da Costa e Praia Americana em 2019.
O oceanógrafo Ricardo Haponiuk, coordenador da Anama (Associação Nacional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente), afirma que o governo federal deve ampliar sua participação na confecção dos projetos. Para ele, é importante “entender o contexto regional, ou até mesmo subnacional, para saber de onde está vindo aquele problema”.
Ele cita como exemplo o município de Itapoá (SC), do qual foi secretário de Meio Ambiente. A cidade passou a sofrer com a erosão na praia após a dragagem necessária para a instalação de um porto na cidade vizinha, São Francisco do Sul (SC). A cidade agora tem pronto o maior projeto de engorda do país, utilizando 12 milhões de m³ de areia retirada da baía ao custo de R$ 480 milhões.
“O governo federal deveria assumir esse protagonismo, porque muitos dos problemas que foram causados nas cidades têm dedo de algum ministério que, por alguma razão, fomentou ou patrocinou obras”, afirma Haponiuk.
Barragens ao longo dos rios também tiram areia das praias. Essa é uma das razões apontadas para a destruição da praia de Atafona, em São João da Barra (RJ), exemplo clássico de erosão costeira no país, afetadas pelas estruturas instaladas no rio Paraíba do Sul.
Outra fragilidade vista é a falta de estudos sobre o impacto das intervenções ao longo da faixa de costa. Caucaia (CE), por exemplo, atribui aos espigões de Fortaleza erguidos na década de 1970 a erosão costeira de seu litoral. Após 30 anos de destruição da praia, a cidade vizinha à capital cearense agora ergueu as próprias estruturas para reter a areia.
“Está todo mundo correndo, cada um para um lado, para tentar sobreviver, mas não existe uma organização nisso. Cada um está tentando ganhar uma sobrevida da sua praia. Mas, no final das contas, é um problema crônico que a gente tem no país”, diz Haponiuk.
Prates, do MMA, diz que a erosão costeira deve integrar o Plano Nacional de Mudança do Clima, em atualização no governo.
Todos os especialistas afirmam que as obras não são capazes de impedir o avanço do mar em caso de elevação significativa dos oceanos em razão do aquecimento global.
“A longo prazo tudo vai por água abaixo. Não tem muito como segurar. Mas enquanto isso as pessoas vão segurando. Uma proteção talvez dê uma garantia de 30, 40 anos. Depois, vamos ver como fica”, disse o geógrafo Dieter Muehe, coordenador do “Panorama da erosão costeira no Brasil”.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress