Cientistas brasileiros vão estudar efeitos da gravidade em minicérebros enviados ao espaço

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seja nos primeiros meses de vida ou próximo ao final dela, o tempo é um fator crucial para o desenvolvimento do sistema nervoso cerebral nos animais vertebrados e especialmente nos mamíferos.

É durante a embriogênese -fase de desenvolvimento intra-uterina- que se formam os tecidos que depois vão se especializar nos órgãos do sistema nervoso, como o cérebro e nervos.

É também nesta fase que fatores ambientais -sons, estímulos visuais e a convivência com outros indivíduos- vão ajudar a moldar o cérebro do bebê e ajudá-lo no desenvolvimento da fala e da interação com seus pares.

Já com o passar da vida, a morte dos neurônios pode trazer algumas consequências, como sintomas relacionados à perda de memória e de habilidade motora.

Por essa razão, as duas fases são importantes no estudo das condições associadas ao neurodesenvolvimento, como autismo, e neurodegeneração, como Alzheimer, explica o biólogo Alysson Muotri, professor e coordenador do Muotri Lab, da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.

“Sabemos que as principais causas de autismo são genéticas e aparecem antes do parto, no desenvolvimento. Os organoides são modelos fantásticos para modelar as condições que surgem no útero; agora, para modelar doenças que aparecem tarde no desenvolvimento, aos 70, 80 anos, eu não consigo”, explica o pesquisador.

Muotri está na quarta tentativa de um experimento iniciado em 2019: enviar amostras de organoides (miniorgãos que mimetizam as características tridimensionais de um órgão real, mas são feitos em laboratório) para o espaço. O objetivo é estudar os efeitos da microgravidade no aparecimento de condições ligadas ao desenvolvimento.

A lógica seria a seguinte: o envelhecimento celular pausa no espaço devido à ausência da força da gravidade. Mas, quando os modelos voltam à Terra, passam por um processo de crescimento acelerado.

“A literatura mostra que as células no espaço param de envelhecer, ficam em um estado dormente. Se você tira a gravidade, as enzimas que causam o envelhecimento deixam de funcionar, mas, ao regressarem, o processo de envelhecimento vai ser acelerado, mesmo que tenha passado um mês”, afirma.

O mecanismo pelo qual ocorre a “pausa” no envelhecimento é ainda investigado, mas deve ter alguma relação com os telômeros, as “pontas” dos cromossomos que protegem as células do amadurecimento. Conforme as células se dividem e fazem a replicação, os telômeros se encurtam, o que acaba levando ao envelhecimento celular.

“Essas amostras vão trazer várias informações novas, mas acho que o principal são os dados sobre o envelhecimento”, afirma a biomédica, pós-doutoranda e coordenadora do projeto no Muotri Lab, Livia Luz. “Já vimos que existe uma ação da microgravidade e os elementos do genoma conhecidos como retrotransponíveis [com funções como o reparo do DNA], e agora queremos ver se realmente existe essa aceleração do envelhecimento das células neuronais quando elas passam um período expostas à radiação cósmica.”

Luiza Coelho, bióloga e candidata a doutorado no mesmo laboratório, também participa diretamente do experimento com os organoides cerebrais.

Após dez meses desenvolvendo em conjunto com engenheiros da Space Tango um módulo capaz de avaliar as amostras na Estação Internacional Espacial (ISS, em inglês), e mais de 30 dias de espera, elas carregaram as amostras de minicérebros em cápsulas lançadas no foguete da empresa SpaceX no último dia 9 de novembro e que devem chegar à base da Nasa, a agência espacial americana, na Flórida, dentro de alguns dias.

O pouso, previsto para a última quinta (14), foi adiado três vezes devido às condições meteorológicas e agora está previsto para esta sexta (22). O atraso preocupa, mas não deve afetar a pesquisa, segundo Luz.

“Os minicérebros vão ficar um pouquinho mais velhos do que a gente tinha previsto inicialmente, mas não tem problema por enquanto, porque os organoides que estão no laboratório como controle vão ficar a mesma quantidade de dias em experimentação”, diz.

Na cápsula enviada ao espaço, cabe a robôs desenvolvidos pela equipe com a empresa Space Tango fazerem a coleta de informações, o que ocorre diariamente –controle de CO2, temperatura, água, oxigenação, fotos e outras informações pertinentes. “É quase que um diário completo, ficamos monitorando eles, recebemos os dados para saber se está tudo correndo bem”, afirma.

Lembra um pouco a experiência de cuidar de um bichinho virtual -os Tamagotchis, dos anos 1990. “Eu preciso saber exatamente quão confiável é o robô em me passar os parâmetros da cápsula no espaço para saber se os organoides estão bem. E há também uma preocupação dos engenheiros em ser um equipamento leve, simples e eficiente. Por isso, fizemos vários testes e passamos por diversos modelos antes de chegar ao final.”

A ciência espacial, inclusive, não era algo previsto na carreira da biomédica. Formada em ciências biomédicas pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), campus de Botucatu, ela fez o doutorado também com Muotri com um projeto de pesquisa que buscava entender os mecanismos ligados a uma doença rara genética com os organoides.

A frequência com que Muotri recebe jovens pesquisadores brasileiros em busca de orientação em seu laboratório na Califórnia dá a impressão de ser uma verdadeira “república brasileira” -cerca de 80% dos 39 integrantes do grupo são brasileiros. O interesse, obviamente influenciado pela língua, é causado também pela linha de pesquisa ampla e o incentivo que o pesquisador dá para as áreas de ciência básica.

“O que você chegar para ele e falar ‘eu tive essa ideia’ e ele achar que é algo que vale a pena ser investigado, ele topa. Ele nunca acha que algo é muito fora da casinha, e por isso mesmo seus projetos são muito inovadores”, diz.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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