Cientistas encontram bactérias que podem combater cepas resistentes a antibióticos no mar Ártico

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto o mundo enfrenta o problema de saúde global causado por superbactérias resistentes a antibióticos, novos microrganismos capazes de combater esses patógenos podem estar presentes no fundo do mar Ártico.

Em uma expedição científica na região, pesquisadores da Universidade de Helsinki, da Finlândia, encontraram dois tipos de bactérias em amostras das profundezas do mar que tiveram, em laboratório, ação contra uma cepa altamente enteropatogênica de Escherichia coli (EPEC, em inglês) bactéria responsável por causar sintomas como diarreia, vômitos e infecções estomacais em humanos.

A resistência dessa bactéria é um problema global de saúde, já que pode provocar hospitalizações e até mesmo morte de crianças.

Os achados da pesquisa foram publicados no final de agosto na revista científica Frontiers in Microbiology.

Em agosto de 2020, a bordo do navio Kronprins Haakon na costa da Noruega, região que está em transformação pelo aquecimento do planeta, os cientistas coletaram amostras de organismos marinhos para um processo conhecido como triagem fenotípica –basicamente, um método que faz um rastreio de tudo que tem ali a procura de novos microrganismos.

Enquanto o mundo procura novas drogas eficazes contra bactérias superresistentes, Päivi Tammela, professora da divisão de farmacologia da Universidade de Helsinki e autora sênior do estudo, e colegas foram até o mar Ártico em busca de potenciais antibióticos. Os autores destacam que esse tipo de bactéria, chamada de actinobactéria, é comumente extraída do solo, mas há poucos estudos sobre a sua presença no oceano.

Eles encontraram dois gêneros de bactéria, presentes em quatro animais marinhos: Kocuria sp., em uma espécie de esponja (Caulophacus arcticus) e Rhodococcus sp., presente em duas espécies de briozoários (tipo de animal séssil com tentáculos que parecem uma flor –Dendrobeania sp. e Tricellaria ternata) e em uma vieira-da-Islândia (Chlamys islandica).

Em seguida, as bactérias foram cultivadas e tiveram suas células extraídas, filtradas e divididas em frações. As frações foram testadas in vitro em culturas de EPEC em células cancerosas humanas.

Nas análises em laboratório, todas as frações de Kocuria e Rhodococcus tiveram sucesso em impedir a virulência (isto é, maior infectividade) da EPEC, reduzindo sua transmissividade. Além disso, uma das frações (composto 3) também conseguiu inibir o crescimento bacteriano por agir em uma estrutura celular fundamental da E. coli.

Embora os resultados tenham sido promissores, Tammela diz que ainda falta muito para conseguir transformar esses achados potenciais em medicamentos que podem ser testados em ensaios pré-clínicos e clínicos. “No entanto, essas são descobertas muito iniciais, e os compostos precisarão ser estudados muito mais antes de sabermos se são bons candidatos para novos antibióticos”, afirma.

No caso de produtos naturais, como extratos de actinobactérias, o processo é muito mais desafiador e requer fluxos de trabalho otimizados, conta a pesquisadora. Um dos desafios na pesquisa foi justamente a quantidade de amostras disponíveis, o que exigiu um volume de testes baixo e foi preciso validar bem o protocolo.

A equipe está esperançosa. Segundo a pesquisadora, o ambiente marinho possui grande potencial para se descobrir novos compostos que podem ter atividade biológica, e esse recurso foi menos estudado do que em outros ambientes. “É muito provável que novas descobertas a partir das amostras marinhas sejam feitas no futuro”, afirma.

“Também é um grande desafio produzir as quantidades de compostos ativos que seriam necessárias até mesmo para análises avançadas e testes biológicos in vitro, e esses estudos devem ser feitos antes de tirar mais conclusões”, finaliza.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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