SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O Ministério Público do Estado da Bahia ofereceu denúncia contra cinco pessoas suspeitas de participação no assassinato da líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico, 72, a Mãe Bernadete, morta em agosto com 25 tiros na comunidade quilombola Pitanga dos Palmares.
Arielson da Conceição Santos, Josevan Dionísio dos Santos, Marílio dos Santos, Ydney Carlos dos Santos de Jesus, Sérgio Ferreira de Jesus foram denunciados por suspeita de homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, com uso de arma de fogo e sem chance de defesa da vítima.
O Ministério Público informou que quatro dos denunciados seriam integrantes de uma facção que atua no tráfico de drogas. A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas dos denunciados.
A Polícia Civil informou que o crime teria sido insuflado por Sérgio Ferreira de Jesus, morador que explorava ilegalmente madeira dentro da comunidade quilombola Pitanga dos Palmares. Dias antes do crime, ele havia sido repreendido por Mãe Bernadete.
A líder quilombola também lutava contra a instalação de um bar chamado Pitanga Point, que estava sendo erguido por traficantes para realização de festas do tipo paredão. A barraca estava sendo erguida nas margens de uma represa em uma área de preservação permanente.
A investigação apontou que Sérgio Ferreira, após a discussão com Mãe Bernadete, enviou áudios aos líderes do tráfico, informando que a líder quilombola teria acionado a polícia para impedir instalação do bar dentro da área de preservação.
Depois disso, apontam os investigadores, a morte da líder quilombola teria sido ordenada por Marílio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus, ambos apontados como líderes do tráfico de drogas na região do quilombo Pitanga dos Palmares.
O crime teria sido executado por Arielson da Conceição Santos e Josevan Dionísio dos Santos, ambos ligados à mesma facção criminosa. Eles chegaram na comunidade a pé, entraram na casa da ialorixá e a mataram com 25 tiros. Também roubaram cinco telefones celulares que estavam no imóvel.
Arielson, Josevan, Marílio e Ydney seriam membros da facção criminosa Bonde do Maluco, uma das maiores em atuação na Bahia. Sérgio, que estava envolvido com extração ilegal de madeira, era o único que não tinha relação com o tráfico.
Sérgio e Arielson foram presos em setembro por suspeita de participação no crime. Josevan e Marílio estão foragidos, sendo o último com quatro mandados de prisão em aberto. Ydney teve o pedido de prisão preventiva deferido pela Justiça.
Um sexto suspeito de envolvimento no crime, que guardou as armas utilizadas no crime e que deu apoio na fuga de um dos atiradores, foi indiciado em outro inquérito.
Bernadete Pacífico foi assassinada em 17 de agosto na casa que funcionava como sede da associação do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, cidade da Grande Salvador.
Ela era coordenadora nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e liderava o Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho. Trabalhava havia anos denunciando a violência contra a população quilombola e as tentativas de tomada das terras.
Após o assassinato de seu filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, em 2017, a luta contra ataques a terreiros e assassinatos de lideranças religiosas de matriz africana se intensificou. Conhecido como Binho do Quilombo, ele era um dos líderes quilombolas mais respeitados da Bahia.
Filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, afirmou que ela recebia ameaças havia pelo menos seis anos. Ele disse acreditar que a mãe foi vítima de um crime de mando.
A líder quilombola estava junto dos netos quando dois homens chegaram usando capacetes e abordaram a família. Os netos foram trancados em um quarto, e Mãe Bernadete foi morta.
Ela já havia recebido ameaças e fazia parte de um programa de proteção a defensores de direitos humanos do Governo na Bahia. Câmeras foram instaladas na sua casa e no entorno, e policiais faziam visitas periódicas ao local, mas não havia uma vigilância constante.
Bernadete foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho na gestão do então prefeito Eduardo Alencar (PSD), irmão do senador Otto Alencar (PSD).
Em julho, ao lado de outras líderes quilombolas, ela participou de um encontro com a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, na comunidade Quingoma, na cidade de Lauro de Freitas. Na ocasião, Mãe Bernadete afirmou que era ameaçada por fazendeiros.
“É o que nós recebemos, ameaças. Principalmente de fazendeiros, de pessoas da região. Minha casa é toda cercada de câmeras, eu me sinto até mal com um negócio desse”, afirmou.
Três homens foram presos por suspeita de participação na morte de Mãe Bernadete em setembro. Um dos presos confessou à polícia ter sido um dos executores da líder quilombola.
Os outros dois não teriam tido participação direta no crime -um dele estava com o celular de Mãe Bernadete e o outro guardava as armas supostamente usadas no assassinato.
Desde o início das investigações, cerca de 80 pessoas prestaram depoimento e foram cumpridas 20 medidas cautelares deferidas pelo Poder Judiciário. Também foram analisados 14 laudos periciais, entre os quais os que confirmaram que as armas apreendidas foram de fato utilizadas no crime.
Além de reconhecimento dos autores por parte das testemunhas, a autoria também foi confirmada por meio da confissão do executor, que apontou o mandante e a motivação.
Mãe Bernadete iniciou-se aos 23 anos no terreiro Ilê Axé Kalé Bokum, em Salvador, por meio do babalorixá -título de maior autoridade no candomblé- Severiano Santana Porto (1894 -1972).
Para além de ser porta-voz e representante das demandas políticas do quilombo, Bernadete exercia um papel de cuidado direto e pessoal com a comunidade.
O assassinato instalou um clima de medo entre os moradores da comunidade de Pitanga dos Palmares, que vivem de artesanato, agricultura de subsistência e criação de animais em uma região relativamente isolada do núcleo urbano da cidade que abriga cerca de 300 famílias.
A demarcação da área como terra de descendentes de quilombolas está em fase final de tramitação no governo federal.
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress