SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São pequenas as chances de o governo Lula 3 repetir o resultado de seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010, quando o Brasil viveu o boom da chamada classe C.
Ao contrário, desta vez serão as parcelas mais ricas, concentradas nas classes A e B, as que devem se apropriar mais, em termos de renda, da recuperação da economia –o que pode aumentar a desigualdade no país, cujo combate é uma das principais bandeiras do novo governo.
O diagnóstico faz parte de estudo da consultoria Tendências, que projeta para os próximos anos a renda total das classes A e B subindo mais que o dobro em relação à da D/E. A classe C teria um aumento intermediário nos rendimentos.
O Brasil não possui critério oficial para definir classes sociais, mas consultorias usam parâmetros próprios para delimitá-las. Nos da Tendências, estão na classe D/E famílias com renda domiciliar mensal até R$ 3.200. Nas A e B, aquelas com rendimentos superiores a R$ 7.600. Na C, entre R$ 3.200 e R$ 7.600.
Neste início de mandato, não por acaso, Lula reforçou programas sociais voltados à classe D/E, como o aumento do Bolsa Família e do Auxílio Gás, a redução da fila do INSS e a volta do Minha Casa Minha Vida, entre outros.
Fez isso com recursos da PEC da Transição, que liberou R$ 145 bilhões, fora do teto de gastos, no Orçamento de 2023.
Segundo a Tendências, essas ações produzirão neste ano aumento de 6,4% na massa de renda da classe D/E, bem acima dos 2,2% da C. Com isso, os ganhos da classe D/E em 2023 ficarão próximos dos das classes A e B (6%) –que vêm se recuperando rapidamente desde o fim da pandemia.
Segundo Lucas Assis, analista de macroeconomia da Tendências, os efeitos das medidas para os mais pobres são fortes em 2023, mas acabarão diluídos nos próximos anos, com a recuperação econômica beneficiando os mais ricos.
“A mobilidade social daqui para a frente se dará em ritmo reduzido, num fenômeno típico de países com alta desigualdade”, afirma Assis. “Enquanto há lenta migração para a classe média, as classes mais altas liderarão a retomada e o crescimento da renda.”
Assis destaca, no entanto, que não é esperada queda de renda em nenhuma das classes nos próximos anos. Mas que os mais ricos se beneficiarão de remuneração maior de seus investimentos (com juros altos), de aluguéis e do lucros de suas empresas, que devem voltar a patamares históricos, mais elevados que nos últimos anos.
“Nas classes A e B há também concentração de funcionários públicos, em que a dinâmica da economia pouco interfere, pois eles têm estabilidade”, diz Assis.
Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula, o Brasil contou com forte impulso externo e cresceu 4,1% ao ano, em média, ante 2,4% nos anos FHC (1995-2002).
Durante os governos do petista, a economia mundial teve o maior crescimento sincronizado desde a Segunda Guerra; e o PIB da China aumentou entre 10% e 12% ao ano, causando um boom nos preços das commodities que o Brasil exporta.
Nada disso está presente desta vez; e o Brasil encontra-se em situação muito pior no que se refere às contas públicas. Lula herdou superávits primários (para abater a dívida pública) do governo FHC e manteve as contas no azul em seu mandato.
Com Dilma Rousseff (PT), no entanto, o país entrou no vermelho, onde ficou até o ano passado, quando o governo federal registrou pequeno superávit, que não se repetirá em 2023.
Agora, para reduzir o endividamento, o Brasil teria que cortar gastos –ou aumentar impostos, o que parece ser a opção, impactando negativamente na atividade econômica.
Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, a PEC da Transição aliviou a situação dos mais pobres neste ano, mas não se repetirá em 2024. “O ano que vem será de muita incerteza fiscal”, afirma.
Dados da FGV Social mostram que, no fim de 2022, após a série de medidas eleitoreiras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a renda familiar per capita (contando todas as fontes) dos 40% mais pobres chegou a R$ 374 –voltando ao mesmo patamar (corrigido pela inflação) do melhor ponto da série, de R$ 375, em 2014.
“Houve recuperação, mas é uma década perdida nessa comparação”, diz Neri. Para o economista, um dos problemas agora é que Lula vem tentando também criar programas para a classe média, ou C, como os descontos para a compra de carros populares.
“Se a prioridade fosse voltada apenas para os mais pobres, seria mais fácil [do ponto de vista orçamentário] acomodar as coisas”, afirma Neri.
Análise do resultado da eleição de 2022 sugere que a classe C foi crucial para a votação expressiva de Bolsonaro, que acabou perdendo para Lula por apenas 2,1 milhões de votos.
Com poucas exceções, estados onde a classe C é relativamente maior deram mais votos a Bolsonaro. Na contramão, onde a classe D/E predomina, Lula se saiu melhor –o que explicaria o desejo do petista de agradar agora o público da classe C.
FERNANDO CANZIAN / Folhapress