RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Dois meninos que se conhecem brincando num valão, num dia em que um deles quase se afoga e é salvo pelo outro. Dois meninos inventando que são MCs e vendo suas músicas chegarem a cada vez mais gente. Dois meninos que se separam com a morte trágica de um deles.
“Nosso Sonho”, filme de Eduardo Albergaria que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (21), conta a história da dupla Claudinho e Buchecha da perspectiva que ela é, nas palavras do diretor, “uma história universal sobre dois meninos”.
“Não o vejo como um filme político. É um filme sobre arte, música, fé e superação”, afirma Albergaria. “Pretendo de alguma maneira contar uma história que me emocionou, me fez rir, me fez dançar. É uma tentativa pessoal de resgatar um sentimento que talvez eu tenha perdido num dado momento, e que a dupla Claudinho e Buchecha tipifica: a possibilidade de ser alegre, ter esperança. Se isso para as pessoas é ser político, tudo bem. Mas para mim é mais sobre o mistério da vida”.
A capacidade da alegria, da esperança enfim, do sonho exposto no título está na história de Claudinho e Buchecha. Mas é difícil desvincular a trajetória da dupla do fato de que, mais que dois meninos, eles eram dois jovens pretos e pobres.
“É uma história periférica”, diz o diretor. “O filme circunscreve a periferia brasileira num lugar diferente do da violência. Ela aparece como um lugar onde os personagens têm conflitos subjetivos. É um lugar que a periferia merece. Estamos acostumados a ver a periferia e, não por acaso, o funk presos no estigma da violência”.
Lucas Penteado e Juan Paiva vivem, respectivamente, Claudinho e Buchecha nas telas. O início da preparação para o papel foi num café da manhã em que conheceram Buchecha e ouviram dele as histórias que ajudaram a compor os personagens.
“Naquele dia, ele me contou que Claudinho gravava dançando, sempre”, lembra Penteado, que faz seu segundo filme após a passagem pelo BBB, depois da comédia “Barba, Cabelo e Bigode”. “Uso isso para descobrir a persona desse cara.”
Vídeos da época ajudaram os atores a captar movimentos e traços de personalidade dos cantores. Mas a escolha não foi pela personificação hiperrealista.
“O personagem é alguém que existe, mas cada um tem um jeito de levar isso para a cena”, afirma Paiva. “Se trocássemos de papel, seriam interpretações diferentes. Porque levamos com a gente coisas da nossa história, da nossa educação. Venho do Nós do Morro, do Vidigal. Levo um pouco disso para o filme”.
“Nosso Sonho” é contado da perspectiva do personagem de Buchecha, que costura a trajetória de sucesso e os dramas pessoais ao longo do filme. O cantor se declara emocionado com o resultado e compara com outra obra que levou às telas a vida de uma dupla da música popular brasileira.
“Dois Filhos de Francisco me impactou e nunca saiu da minha mente. Vendo agora minha história sendo mostrada nos cinemas, com um elenco maravilhoso, me faz pensar que ela também vai impactar outros. Estou realizado e feliz por estar tendo a oportunidade de contemplar grandes atores retratando de forma positiva nossa história, como ela foi: leve, bonita, romântica”.
Penteado, nascido em 1996, e Paiva, de 1998, viram pouco da dupla em ação Claudinho morreu em 2002, num acidente automobilístico, aos 26 anos. Mas guardam memórias de suas canções.
“As músicas são atemporais, tocavam em novelas, em programas de TV”, lembra Penteado. “Tem uma para cada ocasião. Dia das Mães ou Dia dos Pais toca Fico Assim sem Você. Quando alguém alcança alguma coisa, Conquista. E todo sonhador de periferia ouve Nosso Sonho. Claudinho e Buchecha é a trilha sonora dos periféricos.”
Juan conta que lembra das conversas da família indo aos bailes e falarem de Claudinho e Buchecha, além de outros artistas daquela geração do funk, mais especialmente da vertente romântica da qual a dupla é representante, o funk melody. “Em qualquer esquina se ouvia Claudinho e Buchecha”.
“O filme é uma fábula do Brasil contemporâneo”, afirma Albergaria. “É um convite para nos alegramos, nos reconhecermos, no sentido de que temos mais coisas que nos unem do que nos dividem”.
LEONARDO LICHOTE / Folhapress