SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Conhecido pelo império digital que construiu graças às suas mentorias, o influenciador Pablo Marçal (PRTB), hoje candidato à Prefeitura de São Paulo, costuma dizer que mudou a vida de milhares de pessoas. Parte de seus consumidores, porém, o acusam de “enganação”, “lavagem cerebral”, cobranças indevidas e falhas na entrega dos produtos.
Marçal e suas empresas são alvo de ao menos 18 processos judiciais movidos por consumidores insatisfeitos, segundo levantamento da reportagem. Outras centenas escreveram reclamações em sites destinados a este fim a maioria não recorreu à Justiça.
O empresário é hoje uma das maiores referências no ramo de produtos digitais. Ele afirma ter enriquecido a partir de seus cursos e mentorias, com pitadas de auto-ajuda e messianismo, pelos quais diz cobrar até R$ 250 mil.
O influenciador promete ajudar as pessoas a melhorar suas vidas de forma rápida, desafiando os alunos a adotar mudanças na mentalidade e em seus hábitos.
No Método IP, um dos cursos mais famosos, os alunos pagam R$ 20 mil pela promessa de aprender, segundo o site de Marçal, a “governar a sua mente, vontade e emoções”; “destravar a prosperidade, que é completamente natural”; “criar hábitos desencadeadores de sucesso”; “ressignificar crenças e reprogramar trilhas neurais” e “instalar drives mentais de alto impacto emocional”.
Entre as 18 ações, em 6 a empresa de Marçal foi condenada ou houve acordo para ressarcir os consumidores. Outras duas foram julgadas improcedentes, e as demais estão em curso ou foram arquivadas por abandono da parte autora.
A reportagem questionou a campanha de Marçal sobre os processos movidos pelos consumidores, mas não obteve resposta.
Um dos processos em curso foi movido em abril deste ano pela produtora de eventos Katia Scalone, que pede a devolução de R$ 85 mil por serviços não prestados e mais R$ 100 mil em danos morais.
Na petição inicial, Katia fala sobre um passado conturbado, com brigas em sua família de origem e em seu casamento, que a colocaram em uma situação de vulnerabilidade.
“Então um dia na internet conheceu Pablo Marçal que dizia que até para nascer as pessoas precisam dos pais e do médico e até quando estaria tentando fazer tudo sozinha???”, diz o texto do processo.
Ela narra que, depois de descobrir o influenciador pela internet, comprou um ingresso para assistir a uma palestra presencial em dezembro de 2023, em Alphaville, bairro nobre dos municípios de Barueri e Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo.
“A autora ficou entusiasmada por estar adentrando no ecossistema de Pablo Marçal”, afirma a petição.
Katia conta que então comprou o Método IP, curso que ela diz que “pega muito no emocional” e leva o aluno a se sentir culpado por não estar ajudando aos outros. No segundo dia, de acordo com ela, Marçal tentou convencê-los a adquirir outra mentoria, chamada O Conselheiro, mais cara e voltada para um grupo mais seleto.
A produtora de eventos afirma que naquele dia Marçal espatifou no chão um relógio de mais de R$ 1 milhão, para convencer as pessoas “que nada tinha a ver com dinheiro”. O influenciador já contou sobre um episódio em que quebrou um relógio da marca de luxo Patek Philippe na tentativa de “acessar” os alunos, que não entendiam o que ele dizia.
“Fui para casa aquele dia me sentindo mal por não ter aquele dinheiro que era para ajudar o meu sonho de ajudar pessoas!!! Fiquei mal a quinta inteira!”, diz a petição. “E aí a vendedora me chama diz que eu ouvisse meu coração que Deus me capacitaria!”
Katia afirma que, depois de ter sido alvo de “verdadeira lavagem cerebral”, “num momento de total envolvimento emocional” com Marçal, decidiu pegar um empréstimo no banco no valor de R$ 75 mil para pagar pelo curso mais seleto.
Então, segundo ela, a vendedora afirmou que, na verdade, a mentoria custava R$ 79,5 mil, e encaminhou uma ficha de adesão com o valor rasurado. No documento, anexado ao processo, constam os dados de Katia, o valor do curso escrito à caneta e rasurado, e o cabeçalho: “Termo de compromisso de pagamento e de aquisição de serviço mentoria O Conselheiro”.
A produtora de eventos narra que começou a perceber que poderia ter sido ludibriada.
“Voltando sua consciência questionou: Como não era apenas dinheiro se já foram logo mostrando a adesão??? Naquele dia participei de um curso sobre montar mentoria e no final Pablo veio vender para gente mais 60 mil reais e aí falei que não tinha mais dinheiro e ele disse que faltava então mais empenho para fazer mais dinheiro!!!”, afirma a petição.
Ainda segundo o relato, Katia tentou desistir da compra e uma funcionária do setor financeiro orou com ela e tentou convencê-la a não voltar atrás. Ela diz ainda que descobriu que seu contato com o influenciador “seria como todo mundo 20 minutos por Zoom ou quando ele quisesse fazer algum evento”.
Sem conseguir a restituição do valor, a produtora procurou a Justiça. Marçal ainda não foi citado nesse caso e, portanto, não apresentou defesa. A reportagem conseguiu os detalhes do processo, que é público, mas não conseguiu falar com Katia.
Em um site de reclamações, há mais de 300 relatos críticos à empresa do influenciador. Um deles conta sobre a experiência com o Método IP presencial por R$ 10 mil. A autora diz que os alunos chegaram a ser guiados a imitar um leão no chão, ajoelhados de quatro, e a passar a mão no solo e depois no rosto, o que ela descreveu como humilhante.
Outro, de Renato Yuri da Silva, trabalhador do setor de turismo, descreve a mentoria de Marçal como um “curso superficial de lavagem cerebral”.
“O curso é caríssimo para ouvir Pablo orando e fazendo a gente imaginar uma vida maravilhosa. Os cursos bônus são medianos ou ridículos, e tudo vem com uma promessa de vc avançar 10 anos em 1, o que não aconteceu”, escreveu.
Procurado pela reportagem, Renato diz que comprou o curso em 2021, por R$ 3.000, e se arrependeu. Ele afirma que os áudios de Marçal inseridos no pacote já estavam disponíveis gratuitamente no YouTube. “Descobri que o melhor conteúdo dele é o gratuito”. Além disso, Renato fala que a compra incluía outros cursos ensinados por amigos de Marçal, que eram “extremamente rasos”.
“Essa parte só ficou disponível depois que passou o tempo de garantia. Quando me dei conta que não prestava, entrei em contato para solucionar, mas ninguém respondia.”
Ainda assim, Renato ainda é um admirador do trabalho do influenciador. Afirma apoiar “todo o trabalho de pessoas ricas e bem-sucedidas que ajudam os outros” e que ele é a melhor opção para a prefeitura.
ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress