SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Carregando caixas de sapato para ela e a filha, Lucila Marquese, 60, vê os olhos encherem de lágrimas ao falar do fechamento da Casa Tody, tradicional loja de calçados infantis que completou 70 anos em agosto passado. O anúncio de fim das atividades veio no último sábado (20), levando um movimento que vinha sendo raro ao endereço na Rua Augusta, 2.634.
“Estou muito chocada. Está acabando essa loja que é um ícone dos Jardins, todo mundo trazia os filhos aqui, é impressionante. Foi muito importante meu filho ter crescido com sapatinho deles, que é anatômico, ele agora com 30 anos, minha filha com 20. Então eu vim prestigiar e chorar junto com eles”, conta Lucila, ao lado do filho, que nesta segunda (22) também fazia compras para si e para presentear.
A Casa Tody, conhecida por sapatos em couro, com palmilha anatômica, sapatilhas e sandálias, deve fechar na semana do dia 20 de fevereiro ou até durarem os estoques.
Nestes dias de promoção que vão de 40% a 50%, um mar de caixas de sapato se espalha em ilhas pelo carpete verde, já com alguns riscos de giz de cera, arte das crianças menores, que ganharam uma mesinha com papéis em branco para colorir. Atendendo o caixa frenético ou navegando entre os clientes, a dona, Katy Borger, 76, é abordada com abraços, apertos de mão e histórias de família, sobre como as idas à loja foram tradição de geração em geração.
“Eu conheço essa loja desde que eu sou pequenininha, minha mãe comprava aqui. E eu adoro a qualidade, estou até comprando um tamanho maior para daqui uns dois anos minha filha usar”, conta Renata, professora de 33 anos.
No espaço, uma das partes preferidas de Katy fica aos fundos, atrás da escada em formato de caracol, onde pende um cartaz com o rosto do pai dela, o fundador André Frank. O imigrante húngaro chegou ao Brasil em 1949, ao lado dos pais, esposa e filha. A homenagem foi feita para o aniversário de 60 anos do negócio, com uma frase que ela faz questão de repetir em bom som: “O cliente aqui é prioridade”.
Ela é decoradora de formação, mas exalta a tradição comerciante da família, que fazia vinhos na Hungria e tentou levar o negócio a terras brasileiras por quatro anos, até que optou por mudar de ramo, criando em 1953 a loja de sapatos. Enquanto orienta um cliente esguio de quipá, que busca mocassins, ela comenta: “A clientela está fervendo, desde sábado a gente não consegue parar para almoçar”.
Quem visita a Tody hoje encontra as antigas réguas de madeira, as mesmas cadeiras de estofado claro e as longuíssimas prateleiras repletas de caixas, que cobrem todas as paredes até o final, desde antes dos anos 1970. Frequentadores comentam que tudo segue idêntico.
Mães, avós, filhas e babás fervilham enquanto buscam o modelo ideal e convencem os pequenos a provar mais um, mas em cor diferente. Sobem escadas e partem para uma caçada de tamanhos que envolve olhar atento, já que são apenas dois atendentes, sobrecarregados orientando a loja inteira.
“Eu tinha oito vendedores, hoje estou só com dois, que estão há 40 anos na casa”, conta Katy, que viu o movimento deixar de ser o mesmo durante e após a pandemia da Covid-19, sem se render ao e-commerce. Ela relata que vinha sendo procurada para vender o imóvel há tempos, até que tomou a decisão, com sentimento de felicidade.
“Acho que é um ciclo, estou feliz que está acabando bem, porque podia estar acabando muito mal. O que eu estou recebendo de gratidão da clientela é uma coisa enorme”, diz. Ela afirma estar disposta a vender a marca Casa Tody, caso alguém queira comprá-la.
Com uma pilha de caixas nas mãos, o fazendeiro Luiz Barros, 65, diz que frequenta a loja desde suas primeiras lembranças, ali comprou sapatos para os filhos e, na queima de estoque, vai levar modelos para os netos. Ri ao lembrar das botinhas ortopédicas, unanimidade na sua juventude, que marcaram a geração sendo vendidas na Tody. “É uma pena”, define.
O encerramento das atividades marca o fim de uma era de estabelecimentos antigos da região, muito assediada pela especulação imobiliária. Cerca de dez anos atrás, os comerciantes vizinhos da Casa Tody se reuniam na loja para comemorar o aniversário de 90 anos de André Frank, muito ligado àquela comunidade. Os pais de Lilian Wachockier, 62, tinham loja de roupas vizinha à Tody nas primeiras décadas de funcionamento e foram muito amigos dos pais de Katy. A amizade das duas faz Lilian se emocionar com o encerramento da loja de sapatos, que diz ser sua história também.
Ela, que é dona de imóvel no mesmo quarteirão, lamenta o destino destes empreendimentos mais antigos, mas reconhece como algo difícil de evitar: “Eu estou mal porque isso tudo aqui vai virar prédio. E eu estou fazendo parte disso, porque vou vender também. Mas não tem jeito, são anos em que as pessoas me ligam tentando comprar.”
PEDRO LOBO / Folhapress