SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A proposta da equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de restringir o uso de créditos de PIS/Cofins azedou o ânimo dos empresários com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mais do que provocar queixas sobre prejuízos aos mais diversos setores da economia, que já são estimados em bilhões de reais, a proposta é avaliada como uma demonstração de que o governo está disposto a tirar dinheiro de onde puder para não cortar gastos.
A limitação dos créditos tributários está prevista na MP (Medida Provisória) 1227 como alternativa para compensar a desoneração da folha de pagamento para 17 setores. A estimativa é que possa arrecadar R$ 29,2 bilhões neste ano e mais R$ 60 bilhões no ano que vem. O texto foi publicado na terça-feira (4) no Diário Oficial e já está valendo (leia abaixo o que mudou).
A Receita Federal batizou o texto de MP do equilíbrio fiscal. Nesta quinta-feira (6), a Coalizão das Frentes Parlamentares pediu que ela seja rejeitada, qualificando a proposta de MP do fim do mundo. Senadores já se posicionaram contra, e é esperada forte reação no Congresso, com apoio de segmentos empresariais, o que é interpretado como perda de apoio político do setor empresarial ao governo Lula.
Se não houver solução legislativa, a discussão tende a alimentar uma batalha judicial. O tema, por exemplo, mobilizou integrantes da Fiesp nesta quinta. Segundo o diretor jurídico, Flávio Unes, a entidade decidiu que vai apoiar questionamentos judiciais que venham a ser feitos no STF (Supremo Tribunal Federal) e orientou as associadas a reivindicarem seus direitos na Justiça se entenderem que seja necessário.
Praticamente todos os setores que compõem a base produtiva da economia nacional são afetados pela MP. Já ocorreram manifestações de entidades ligadas à indústria de forma geral e segmentos em particular, como óleo e gás, biocombustíveis, mineração, agronegócio.
Como os créditos são utilizados especialmente por exportadores, a limitação afeta inclusive a dinâmica financeira dos embarques internacionais e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.
A Abrasca, que representa mais de 450 companhias de capital aberto, qualificou a MP de “erro grave”, afirmando que ameaça a reforma tributária, causa insegurança jurídica, afeta as operações das empresas e interrompe projetos de investimentos.
“O efeito nocivo dessa MP é de uma extensão nunca vista, por isso estamos presenciando um número tão grande de manifestações contrárias. Umas 80 entidades já se posicionaram, pedindo ao Congresso que faça a sua devolução”, afirma Raul Jungmann, presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que já divulgou nota alertando para os efeitos negativos da proposta.
A principal queixa é o componente surpresa da MP. Ninguém esperava nada parecido. Não houve consulta nem sinalização da Fazenda. Nenhum porta-voz do governo se manifestou sobre a MP também. A principal aparição do ministro Haddad nesta quinta foi na foto oficial com o papa Francisco em sua visita ao Vaticano.
Alguns representantes da iniciativa privada, que preferem não ter o nome citado, afirmam que o ambiente é de revolta. Alguns qualificam a proposta como calote e confisco, pois o crédito tributário é considerado um direito em inúmeros segmentos. Alguns falam que é preciso pôr o pé na porta, com manifestações contundentes, para mostrar que tudo tem limite.
Frase recorrente é que o “governo dá com uma mão e toma com a outra”, numa alusão ao trabalho do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) pela neoindustrialização, de um lado, e a busca desenfreada por arrecadação via Ministério da Fazenda.
“A repercussão no setor industrial é muito grande, e o clima é de indignação”, confirmou à Folha de S.Paulo Mário Sérgio Telles, superintendente de economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Na quarta, o presidente da entidade, Ricardo Alban, deixou a comitiva oficial do governo brasileiro em visita à Arábia Saudita e à China e retornou ao Brasil para tratar do tema. Ainda estava em voo até a publicação deste texto.
Telles qualifica a MP como um retrocesso. Lembra que compensação de crédito de PIS/Cofins é permitida há mais de 20 anos. O crédito referente à Previdência é uma conquista recente, de 2018, mas que foi negociada pelo setor empresarial com o governo. A própria CNI participou das discussões por dez anos.
No agronegócio, a MP fortalece o discurso da polarização do “nós contra eles”. Já se fala que a medida é o prenúncio de que Lula 3 pode acabar imitando os governos argentinos peronistas, criando medidas que prejudiquem as exportações.
Em nota nesta quinta, a Aprosoja verbalizou o sentimento registrando que o setor rural e a agroindústria receberam a MP com “grande espanto e revolta”.
“A Aprosoja Brasil e qualquer outra entidade séria prima pela implementação de ações em busca do equilíbrio fiscal. Contudo, o que vemos é a falta de um ajuste nos gastos do Governo. Pelo contrário, os gastos da máquina pública estão sempre aumentando”, afirma o texto.
“E agora, surgem ações que se assemelham às ‘retenciones’ argentinas, país que destruiu a sua cadeia agropecuária nas últimas décadas e gerou instabilidade no câmbio e inflação descontrolada como consequência deste tipo de política distorcida.”
Nesta quinta, numa demonstração de insatisfação coletiva, o IPA (Instituto Pensar Agropecuário) soltou nota subscrevendo 48 entidades para detalhar os prejuízos da MP. Entre os setores signatários estão soja, milho, café, frutas, algodão, carnes e óleo vegetal.
“Nestes primeiros dias, as empresas estão absorvendo os custos da MP, e vamos ver o que fazer no final de semana. Mas já sabemos que, para cumprir os contratos, os prejuízos são imensos”, diz Leonardo Zilio, vice-presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel).
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
ENTENDA O QUE MUDOU
– Crédito do PIS/Cofins em geral
Serão compensáveis apenas na sistemática da não cumulatividade, sem compensação com outros tributos ou cruzada, exceto com débitos do próprio PIS/Cofins. Mantém-se a possibilidade de ressarcimento em dinheiro, mediante prévia análise do direito creditório.
– Crédito presumido de PIS/Cofins
Espécie de benefício fiscal concedido a empresas. Leis mais recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a tributação negativa ou subvenção financeira para setores contemplados, mas em oito casos a autorização permanecia.
A MP estende a vedação ao ressarcimento para os oito casos que permaneceram e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023. Não se altera a possibilidade de compensação na sistemática da não cumulatividade, ou seja, o direito permanece, desde que haja tributo a ser pago pelo contribuinte.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress