Clima extremo preocupa, e meteorologia cresce com indústria, agro e até supermercados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era o início da década de 1990, a internet mal havia chegado ao Brasil. Em um escritório em São Paulo, dois meteorologistas experientes preenchiam uma lauda do Microsoft Word com mapas meteorológicos com dados da previsão do tempo.

Eles enviavam aquele documento via fax para dezenas de agricultores, que de outros estados dependiam daquelas informações para saber o que podia acontecer com suas colheitas nos próximos cinco dias.

Naquela época, a ClimaTempo tinha acabado de ser criada. Era uma das primeiras empresas privadas de meteorologia do Brasil. Hoje, a companhia é a maior consultoria meteorológica da América Latina, com faturamento de R$ 70 milhões por ano.

E o mercado, que à época dependia de fax, hoje é engolido por gigantes da tecnologia. A própria ClimaTempo foi vendida há quatro anos para a norueguesa StormGeo, uma das maiores no setor de ciência de dados e inteligência meteorológica.

Em outro lado da cadeia, o Google acabou de lançar um modelo, feito à base de inteligência artificial, que consegue prever o clima nos próximos dez dias em menos de um minuto.

As mudanças climáticas aceleram esse mercado, tanto do lado da procura quanto da oferta.

De acordo com um levantamento feito pela consultoria de investimentos TCP Partners, o mercado global de sistemas de previsão meteorológica vai crescer mais de 50% até 2030, com o crescimento médio anual de 5,3%. Em comparação, a economia global deve crescer 2,2% por ano até 2030, segundo o Banco Mundial.

O impulso, analisa a consultoria, virá da expansão das indústrias de aviação e transporte marítimo, fiéis consumidores dos sistemas meteorológicos, além do aumento das preocupações de setores que dependem diretamente do clima, como o agronegócio.

O aumento da geração de energia renovável também contribui. Na COP28, por exemplo, mais de cem países se comprometeram a triplicar a capacidade instalada de energias renováveis no mundo até 2030, inclusive o Brasil.

“Quem está puxando esse crescimento é, em grande parte, a iniciativa privada, que está querendo minimizar os riscos climáticos nas suas operações, principalmente o agronegócio e o setor de transporte e logística, como aéreo, marítimo e rodoviário. Também agora há uma mudança de comportamento dos governos municipais e estaduais; eles estão mais preocupados com os eventos climáticos”, explica Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners.

O estudo não considerou as aquisições militares, outro setor que movimenta esse mercado.

Diretor de vendas no Brasil da finlandesa Vaisala, maior produtora global de equipamentos meteorológicos, o brasileiro Daniel da Silva já nota o crescimento desse mercado.

A empresa fabrica, por exemplo, os balões meteorológicos que medem vários parâmetros atmosféricos necessários para a formulação de modelos de previsão do tempo.

“Toda vez que você viu uma previsão do tempo, na sua vida inteira, algum produto da Vaisala estava ajudando a gerar esse prognóstico”, afirma Silva.

Complementam a lista de equipamentos mais vendidos pela empresas os satélites meteorológicos e as estruturas de solo, como as estações e os radares. Eles são responsáveis por medir temperatura, umidade, pressão e vento e por monitorar precipitação e velocidade do vento.

Esses equipamentos são comprados, geralmente, pelas próprias empresas ou por consultorias, responsáveis por analisar os dados gerados pelos equipamentos e orientar os clientes sobre como atuar sob específicas condições climáticas.

No portfólio da ClimaTempo, por exemplo, há empresas de energia renovável, órgãos públicos, proprietários rurais e até supermercados.

“Para um supermercado, eu vou dizer que, naquele dia, ele vai vender mais sorvete do que sopa. Ou que daqui a dois meses, ele vai vender mais vinho do que churrasco”, diz Patrícia Madeira, CEO da ClimaTempo.

No final de novembro, a empresa venceu um edital do governo do Rio Grande do Sul para comprar e operar um radar meteorológico em Porto Alegre e cidades vizinhas. O contrato, de R$ 25,94 milhões, foi assinado poucos dias após tempestades matarem quatro pessoas e desabrigarem outras 17 mil.

Apesar da estimativa de crescimento, esse mercado ainda é pequeno. Em 2022, foi avaliado em US$ 3,05 bilhões (R$ 15,7 bilhões) e, daqui sete anos, pode chegar a US$ 4,61 bi (R$ 22,8 bilhões). Para se ter uma ideia, a Vaisala faturou no ano passado 514 milhões de euros (R$ 2,75 bilhões).

“A maior empresa do mundo de meteorologia vende 500 milhões de euros por ano, dez vezes menos do que uma mineradora pequena em Minas Gerais, por exemplo”, afirma Silva, da Vaisala. A empresa tem fábrica na Finlândia, nos EUA e na França e vende seus produtos em 160 países.

A fabricação no Brasil de produtos meteorológicos é baixíssima. O mercado brasileiro, segundo a TCP Partners, vale R$ 122 milhões e pode chegar a 2030 valendo R$ 230,5 milhões.

No ano passado, de acordo com o governo federal, o país importou US$ 59 milhões em instrumentos e aparelhos de topografia, hidrografia, oceanografia, hidrologia, meteorologia e geofísica.

MUDANÇA CLIMÁTICA

Ao mesmo tempo em que as mudanças climáticas propiciam o crescimento desse mercado, elas também geram desafio. Os modelos meteorológicos, por exemplo, são feitos com base nos padrões climatológicos das últimas décadas.

Assim, para fazer previsões do tempo, os meteorologistas cruzam dados do presente e, com base em milhares de equações geradas a partir de dados do passado, conseguem estimar as condições climáticas dos próximos dias.

Como o aquecimento global, porém, propicia eventos climáticos de forma mais recorrente, essas equações podem ficar desatualizadas.

Nas chuvas de novembro do Rio Grande do Sul, por exemplo, os meteorologistas conseguiram detectar que poderia chover acima de 300 mm no estado. Não foi possível, porém, prever que a tempestade seria de 400 mm, quase quatro vezes a média daquele período. “O que os modelos não conseguem, por enquanto, é ter essa precisão”, diz Madeira.

“Esse é o grande desafio das empresas de meteorologia nesse momento. É ajustar seus modelos e sistemas de previsão a essa transformação que está acontecendo. Então, essa busca de adaptação também encontra desafios dentro da meteorologia global”, diz Carlos Magno do Nascimento, fundador e ex-dono da ClimaTempo.

PEDRO LOVISI / Folhapress

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