SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A formação de uma liga no futebol brasileiro só sairá do papel quando os clubes reconhecerem que cada um deles tem dimensões, como tamanho de torcidas e capacidade de gerar receitas, diferentes, afirma o CEO da SIGA (Sport Integrity Global Alliance), o português Emanuel Macedo de Medeiros.
“A única maneira de atingir o objetivo [de formar uma liga] é se houver convergência, diálogo e cooperação, e isso passa por reconhecer que nem todos os clubes são iguais. Há clubes de maior dimensão, há clubes que geram mais [venda] de ingressos e há clubes com maior capacidade de gerar receitas”, diz o executivo à reportagem.
Medeiros tem acompanhado a discussão sobre o tema no Brasil e aponta modelos nos quais o país pode buscar inspiração, como o formato adotado no futebol inglês. “Na Inglaterra, há três escalas na repartição das receitas, além do princípio de solidariedade vertical da Premier League em relação à Football League [segunda divisão inglesa] para que ninguém fique para trás.”
Especialista em integridade e governança no esporte, o executivo foi secretário-geral da Liga Portuguesa e também é um dos fundadores da EPFL (European Professional Football Leagues), grupo que representa as ligas da Europa.
Ele acompanhou de perto o processo de formação de ligas em países como França, Itália e Espanha e diz que todos tiveram dilemas semelhantes aos debatidos atualmente por aqui. Lá, foi necessário, ele afirma, a atuação dos governos para resolver os impasses.
“Foram os governos, através de uma legislação, que forçaram os clubes a centralizar a comercialização dos direitos gerados pelas competições”, afirma o executivo. “Não sei qual seria um caminho para o Brasil pois não sei se o governo federal tem apetite para resolver esse problema. Agora, eu sei que é sempre preferível que as decisões sejam tomadas com autonomia.”
Faz mais de um ano que os clubes brasileiros estão em busca desse entendimento, mobilizado para criar um modelo que poderá entrar em vigência a partir de 2025, quando termina o contrato com a Globo pelos direitos de transmitir os jogos das Séries A e B do Brasileiro em TV aberta, fechada e pay-per-view.
Em maio de 2022, um grupo deu origem à Libra (Liga do Futebol Brasileiro). Cerca de um mês depois, surgiu a LFF (Liga Forte Futebol), formada por equipes que se opõem ao modelo proposto pela Libra.
O dinheiro desse contrato está entre as principais fontes de receitas dos times. Por isso o impasse sobre como ficará a divisão da grana a partir de um novo contrato. Atualmente, a soma de todos os contratos de transmissão é de R$ 2,1 bilhões.
Para 2025, cada grupo tem um parceiro comercial diferente. Enquanto a Libra está com o fundo investidor Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos, a LFF trabalha com o fundo Serengeti Asset Management, dos Estados Unidos.
Como a formação de uma liga está emperrada no momento, nos dois grupos existem clubes que já estão negociando em bloco ou individualmente as vendas dos direitos de TV.
“Vendo tudo isso de uma perspectiva independente e de fora, não faz sentido continuar a ter divergências quando só através da união dos clubes é possível alcançar os objetivos. Não é com projetos divisionistas que o Brasil vai alcançar o status que está ao seu alcance e valorizar os próprios clubes”, opina Medeiros.
No mês passado, quando concedeu à entrevista, ele esteve no Brasil para participar de eventos à frente da SIGA Latin America. A entidade foi convidada pelo Ministério do Esporte e pelo Ministério da Justiça para discutir também a regulamentação das apostas esportivas e o combate à manipulação de resultados.
“Não há dúvida de que há uma relação direta entre a completa ausência de uma regulamentação com essa ‘terra de ninguém’, em que só aproveita aqueles que vivem à margem do sistema”, alerta.
“Não é apenas ter uma legislação moderna. É preciso treino, educação e capacitação, e isso requer dar atenção aos jogadores, técnicos, e a todos que estão envolvidos nos clubes porque todos eles são peças indispensáveis, mas são vulneráveis a predadores que vão tentar minar a ética esportiva”, acrescenta.
Em sua passagem pelo Brasil, Medeiros participou, ainda, de encontros para discutir o empoderamento feminino na gestão do esporte e defendeu a ampliação do espaço para mulheres em cargos diretivos.
“Estamos empenhados na criação de meios para que as mulheres possam ter no esporte não apenas um espaço de prática, mas também de dirigir, assumindo papéis de tomada de decisão, pois isso acrescenta valor a toda indústria e reflete um avanço civilizacional”.
LUCIANO TRINDADE / Folhapress