BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou nesta terça-feira (26), por maioria de votos, a criação de uma regra de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário.
O ato normativo estabelece a intercalação de uma lista exclusiva de mulheres e outra tradicional mista conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de merecimento.
A discussão foi pautada pela ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), às vésperas da sua aposentadoria. Esta foi a sua última sessão à frente do CNJ.
Pela proposta aprovada, o texto passa a valer em janeiro de 2024, e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.
Os tribunais também deverão verificar, no total de cargos ocupados, a paridade de gênero, independentemente da origem (magistratura de carreira ou quinto constitucional). Identificada a desproporção de gênero no total de cargos providos, o tribunal deverá implementar a ação afirmativa no acesso destinado a juízes e juízas de carreira.
A ação deve ser temporária e perdurar até o atingimento da paridade nos tribunais. Para a aferição dos resultados, o CNJ deverá manter banco de dados atualizado sobre a composição das cortes, especificando gênero e cargo.
Para haver consenso entre os integrantes do CNJ, a relatora do processo, Salise Sanchotene, retirou de sua proposta o critério que previa também uma lista só de mulheres na promoção por antiguidade.
A divergência tinha sido aberta pelo conselheiro Richard Pae Kim, juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia pedido vista (mais tempo de análise) do processo, na semana passada.
Pae Kim argumentou que a proposta original violaria o princípio da segurança jurídica ao alterar o critério da antiguidade para os magistrados já integrantes do Poder Judiciário, em contrariedade à jurisprudência do STF.
Ele também considerou a ausência de competência do CNJ para regular a matéria e que somente a Lei Orgânica da Magistratura Nacional poderia dispor sobre a promoção por antiguidade.
“A proposta de alteração normativa sob apreciação ostenta conteúdo deveras inovador e sem disposição constitucional expressa, pelo que se infere que uma modificação desse tipo demandaria lei formal espécie normativa cuja edição encontra-se fora do escopo de atuação deste órgão de controle”, disse.
Com a retirada da proposta de antiguidade pela relatora, houve consenso e os conselheiros aprovaram a matéria por 13 votos a 14.
Somente o voto do conselheiro Mário Maia, que teve o mandato encerrado nesta sessão e havia seguido a primeira proposta da relatora, na semana passada, foi registrado como posição contrária.
Rosa elogiou o consenso do colegiado, apesar de ter dito que o voto anterior da relatora era “brilhante” e que pretendia aderi-lo em sua integralidade.
“Sou da teoria que o caminho se faz ao caminhar. São os passos que fazem o caminho. Às vezes, temos que ir mais devagar, ainda que a cada passo, enriquecendo, mas sobretudo estabelecendo consenso. Sinto esse resultado como uma verdadeira vitória”, disse.
Dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, referentes a 2022 apontam que as mulheres são 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Enquanto no primeiro grau elas chegam a 40%, na segunda instância o percentual fica em 25%.
O levantamento mostrou que havia 13 tribunais no país sem desembargadoras e ministras mulheres.
Relatora do processo, Salise justificou que, mesmo quando se olha para o critério de antiguidade, “não é possível dizer que homens e mulheres possuem as mesmas oportunidades na carreira da magistratura”.
“Um exame mais atento bem denuncia que não se trata pura e simplesmente de contagem tempo de judicatura, ou seja, de entrar na fila e aguardar a vez, mas também de reunir melhores condições de correr na carreira”, disse a conselheira.
Dentro do CNJ, à véspera da votação, movimentos de juízas percorreram os gabinetes para defender a mudança enquanto associações da magistratura se manifestam contra.
A mudança da regra de antiguidade foi o principal foco de resistência entre os magistrados. Defensores da alteração afirmam que, embora o critério pareça objetivo, ele desconsidera uma série de problemas, como vieses em bancas examinadoras.
O conselho que reúne os presidentes dos 27 tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal foi o principal opositor de alterações. Em nota técnica assinada no último dia 15, a entidade disse que a modificação deveria ser feita por meio de lei formal e está fora do âmbito normativo do CNJ.
Afirmou que na Constituição há “silêncio eloquente acerca dos critérios de gênero para a análise da antiguidade e merecimento”.
Medidas para tentar ampliar a representatividade no Judiciário vêm sendo discutidas desde a gestão da ministra Cármen Lúcia.
Em 2018, quando ela presidia o CNJ, foi aprovada uma resolução instituindo a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
Apesar disso, especialistas afirmam que as mulheres seguem enfrentando mais barreiras para serem promovidas na carreira.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress