BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) adiou para a próxima semana a discussão que avalia a criação de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário.
A medida do adiamento foi tomada por causa de um pedido de vista (mais tempo para análise) feito pelo conselheiro Richard Pae Kim.
A manifestação do conselheiro aconteceu após a leitura do voto da relatora do processo, Salise Sanchotene, que defende a aplicação da norma. Mesmo assim, o conselheiro Mario Goulart Maia adiantou seu voto, seguindo a relatora.
O ato normativo proposto estabelece a intercalação entre mulheres e homens conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de antiguidade e merecimento.
A discussão havia sido pautada para a manhã desta terça-feira (19) pela ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), às vésperas da sua aposentadoria.
Se aprovado, o texto passa a valer em janeiro de 2024, e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.
Dentro do CNJ, à véspera da votação, movimentos de juízas percorrem os gabinetes para defender a mudança enquanto associações da magistratura se manifestam contra.
No dia 28, o ministro Luís Roberto Barroso assume as vagas de Rosa tanto como presidente do Supremo como do CNJ. Ela deve renunciar aos cargos antes desta data e se aposentar no início de outubro.
Medidas para tentar ampliar a representatividade no Judiciário vêm sendo discutidas desde a gestão da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando presidia o CNJ, foi aprovada uma resolução instituindo a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
Apesar disso, especialistas afirmam que as mulheres seguem enfrentando mais barreiras para serem promovidas na carreira.
Dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, referentes a 2022 apontam que as mulheres são 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Enquanto no primeiro grau elas chegam a 40%, na segunda instância o percentual fica em 25%.
O levantamento mostrou que havia 13 tribunais no país sem desembargadoras e ministras mulheres.
Era o caso dos TJs de Rondônia e do Amapá, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 24º Região, dos tribunais da Justiça Militar de São Paulo e Minas Gerais e dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Ceará, Santa Catarina e Rondônia.
Neste ano, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que também integrava a lista, promoveu pela primeira vez uma magistrada.
A mudança da regra de antiguidade é o principal foco de resistência entre os magistrados. Defensores da alteração afirmam que, embora o critério pareça objetivo, ele desconsidera uma série de problemas, como vieses em bancas examinadoras.
Em 2021, o CNJ proibiu a realização de entrevistas reservadas em concursos da magistratura, etapa na qual mulheres com frequência eram questionadas sobre como cuidariam dos filhos, se tinham família ou se eram ou não casadas.
O tema voltou a ser debatido no final de agosto durante um seminário promovido pelo CNJ com magistradas de todo o país. Para manter a mobilização e fomentar novas ações, elas criaram o Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário.
“Existe uma naturalização de qualquer colegiado formado exclusivamente por homens e nós precisamos problematizar isso. Já não é mais natural que as mulheres e que as pessoas negras e que as minorias não ocupem esses espaços de poder”, afirma a juíza do Rio Grande do Sul Josiane Caleffi Estivalet, integrante do movimento.
Um parecer favorável à criação da regra foi apresentado pelo professor de direito constitucional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Daniel Sarmento. Ele defendeu a constitucionalidade da medida e a competência do CNJ para decidir sobre o tema.
“Ter um tribunal com uma composição plural, inclusive na perspectiva de gênero, é importante porque você vai ter visões de mundo diferentes. A tendência é que as decisões sejam melhores”, diz.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) afirmou que fez consulta interna entre os associados, na qual a maioria foi contrária ao texto. Em petição, disse que as associações de classe não foram chamadas para a discussão e pediu prazo para se manifestar sobre o mérito da proposta, inclusive para “o aperfeiçoamento da redação do texto”.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress