CNJ tem 3 votos a 0 por regra de gênero para promoção de juízes, mas decisão é adiada

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) adiou para a próxima terça-feira (26) a discussão que avalia a criação de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário.

A medida do adiamento foi tomada por causa de um pedido de vista (mais tempo para análise) feito pelo conselheiro Richard Pae Kim, nesta terça-feira (19).

A manifestação do conselheiro aconteceu após a leitura do voto da relatora do processo, Salise Sanchotene, que defende a aplicação da norma.

Mesmo assim, os conselheiros Mario Goulart Maia e o ministro Vieira de Mello Filho adiantaram seus votos, seguindo a relatora. Por isso, já seriam computados 3 votos a favor da implementação da medida.

O ato normativo proposto estabelece a intercalação entre mulheres e homens conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de antiguidade e merecimento.

A discussão foi pautada pela ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), às vésperas da sua aposentadoria.

Se aprovado, o texto passa a valer em janeiro de 2024, e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.

Pelo voto da relatora, os tribunais deverão manter, além da relação geral de antiguidade (mista, composta por homens e mulheres, conforme antiguidade cronológica), uma relação exclusiva de mulheres.

Também deverão verificar, no total de cargos ocupados, a paridade de gênero, independentemente da origem (magistratura de carreira ou quinto constitucional).

Identificada a desproporção de gênero no total de cargos providos, o tribunal deverá implementar a ação afirmativa, no acesso destinado a juízes e juízas de carreira.

Isso se dará com alternância entre listas mistas de antiguidade, compostas por juízes e juízas, considerando a antiguidade cronológica e alternando com um provimento dedicado exclusivamente a magistradas, oriundas de lista de antiguidade própria de mulheres, em antiguidade por gênero.

Nos tribunais em que a paridade de gênero for identificada, na proporção de 40 a 60% por gênero, a promoção à próxima vaga destinada à magistratura de carreira acontecerá por meio de listagem mista, composta por homens e mulheres, escolhidos a partir da verificação da antiguidade cronológica.

A ação afirmativa deve ser temporária e perdurar até o atingimento da paridade nos tribunais. Para a aferição dos resultados, o CNJ deverá manter banco de dados atualizado sobre a composição dos tribunais, desagregado por gênero e cargo.

Salise justificou que, mesmo quando se olha para o critério de antiguidade, “não é possível dizer que homens e mulheres possuem as mesmas oportunidades na carreira da magistratura”.

“Um exame mais atento bem denuncia que não se trata pura e simplesmente de contagem tempo de judicatura, ou seja, de entrar na fila e aguardar a vez, mas também de reunir melhores condições de correr na carreira”, disse a conselheira.

Ela acrescentou que essa condição envolveria o candidato “sem maiores entraves familiares ou domésticos, atributo que sabidamente é mais acessível aos homens”.

“Nessa disputa, as mulheres paulatinamente vão ficando para trás na lista de antiguidade: vão ficando pelo caminho. Se esse processo de obtenção da antiguidade pudesse ser comparado ao esporte, seria uma prova de corrida para percorrer determinada distância, mas em pistas diferentes a depender do/a competidor/a”, disse.

Dentro do CNJ, à véspera da votação, movimentos de juízas percorreram os gabinetes para defender a mudança enquanto associações da magistratura se manifestam contra.

No dia 28, o ministro Luís Roberto Barroso assume as vagas de Rosa tanto como presidente do Supremo como do CNJ. Ela deve renunciar aos cargos antes desta data e se aposentar no início de outubro.

Medidas para tentar ampliar a representatividade no Judiciário vêm sendo discutidas desde a gestão da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando presidia o CNJ, foi aprovada uma resolução instituindo a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

Apesar disso, especialistas afirmam que as mulheres seguem enfrentando mais barreiras para serem promovidas na carreira.

Dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, referentes a 2022 apontam que as mulheres são 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Enquanto no primeiro grau elas chegam a 40%, na segunda instância o percentual fica em 25%.

O levantamento mostrou que havia 13 tribunais no país sem desembargadoras e ministras mulheres.

Era o caso dos TJs de Rondônia e do Amapá, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 24º Região, dos tribunais da Justiça Militar de São Paulo e Minas Gerais e dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Ceará, Santa Catarina e Rondônia.

Neste ano, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que também integrava a lista, promoveu pela primeira vez uma magistrada.

A mudança da regra de antiguidade é o principal foco de resistência entre os magistrados. Defensores da alteração afirmam que, embora o critério pareça objetivo, ele desconsidera uma série de problemas, como vieses em bancas examinadoras.

Em 2021, o CNJ proibiu a realização de entrevistas reservadas em concursos da magistratura, etapa na qual mulheres com frequência eram questionadas sobre como cuidariam dos filhos, se tinham família ou se eram ou não casadas.

O tema voltou a ser debatido no final de agosto durante um seminário promovido pelo CNJ com magistradas de todo o país. Para manter a mobilização e fomentar novas ações, elas criaram o Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário.

Um parecer favorável à criação da regra foi apresentado pelo professor de direito constitucional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Daniel Sarmento. Ele defendeu a constitucionalidade da medida e a competência do CNJ para decidir sobre o tema.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) afirmou que fez consulta interna entre os associados, na qual a maioria foi contrária ao texto. Em petição, disse que as associações de classe não foram chamadas para a discussão e pediu prazo para se manifestar sobre o mérito da proposta, inclusive para “o aperfeiçoamento da redação do texto”.

CONSTANÇA REZENDE / Folhapress

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