SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Às vésperas do final da gestão da ministra Rosa Weber, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) formou maioria na terça-feira (19) 8 votos a 5 para rejeitar a criação de uma resolução que pretendia dar mais transparência à atividade dos juízes e permitir maior controle sobre a participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas.
Em sessão anterior, o relator, Luiz Philippe Vieira de Mello, havia apresentado ao plenário uma minuta de resolução. O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, pediu vista. O julgamento foi retomado, e ele apresentou o voto, abrindo a divergência. Foi acompanhado por outros sete conselheiros. Só falta a manifestação de Rosa, presidente do órgão, cujo voto é insuficiente para reverter o resultado.
A proposta de resolução alvo do julgamento estabelece, entre outras obrigações, que os magistrados deverão manter agenda pública, disponibilizada em meio virtual pelos tribunais, e informar anualmente variações patrimoniais que extrapolem 40% da remuneração no exercício anterior.
Em 2016, por recomendação do então presidente Ricardo Lewandowski, o CNJ tornou sigilosos os cachês pagos a magistrados por palestras a convite de administrações estaduais, associações e empresas privadas.
No final da última sessão, o tema acabou ofuscado pela discussão sobre a política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário, depois das homenagens a Rosa por sua atuação no STF (Supremo Tribunal Federal) e no CNJ.
A ministra não frequenta seminários patrocinados por grupos privados. Salomão é presidente do Conselho Editorial da revista “Justiça & Cidadania”, que organiza eventos de magistrados em resorts e hotéis de luxo no país e no exterior.
Salomão divergiu do relator, Vieira de Mello, por entender que já há normativos suficientes para exercer esse controle. “Não podemos criar causas de impedimento e suspeição, além das que existem em lei”, disse.
Vieira de Mello sustentou que “os normativos não são suficientes para garantir a credibilidade do Poder Judiciário”. Citou reportagens que tratam desses eventos.
“No momento em que eu participo de uma atividade que é financiada por uma empresa privada, estou tendo oportunidade de estar próximo da parte, [oportunidade] que a outra parte não terá”, disse o relator.
Segundo ele, informar aos tribunais “quem paga as passagens, as hospedagens em hotéis de luxo e outras tantas coisas mais”, é uma proteção para evitar dúvidas sobre os procedimentos do magistrado.
Salomão disse que o Judiciário era considerado uma “caixa-preta”. Segundo ele, “hoje, os juízes se abriram para a participação em eventos acadêmicos, o que é também um item a ser considerado no sentido da transparência”.
“A participação nossa em eventos diz respeito exclusivamente a matérias institucionais e científicas.”
“Penso que devem ser afastados na resolução termos como ‘conflitos de interesse'”, disse o corregedor. “Se o magistrado não receber remuneração pela participação no evento, não há que falar em incentivo para proferir decisões direcionadas a beneficiar quem quer que seja.”
Vieira de Mello afirmou que “o conceito de conflito de interesses foi extraído dos Princípios de Bangalore [elaborados por grupo ligado à ONU e que trata da conduta dos magistrados]”. Disse que, em muitos países, as pessoas estavam perdendo a confiança no Judiciário.
O relator acolheu sugestões de associações dos magistrados, mas lembrou que a Constituição veda ao juiz receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas. A única exceção para remuneração dos juízes, além da atividade judicante, é o cargo de professor.
Segundo ele, não é o caso dos cursinhos pela internet, alguns com a participação de parentes do magistrado, “uma forma de trazer renda”.
“O que é acadêmico?”, perguntou. “Como conselheiro, essa situação me trouxe uma grande angústia”. O relator disse que foi diretor de uma escola nacional da magistratura, e “que essas escolas têm verba própria para patrocinar os melhores professores”.
Salomão votou para rejeitar da minuta de resolução, deixando aberta a possibilidade de que a Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ formule nova proposição.
Acompanharam Salomão os conselheiros Mauro Martins, Richard Pae Kim, Márcio Freitas, João Paulo Schoucair, Marcos Vinicius Jardim, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho.
Acompanharam Vieira de Mello os conselheiros Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Giovanni Olsson e Mário Goulart Maia.
Mauro Martins disse ter receio da “burocratização”. Acha que não há uma generalização do problema dos eventos. Bandeira de Mello afirmou que a resolução “avança na criação de suspeição e impedimentos”.
“Não acho que o financiamento de um evento gera suspeita”, disse.
Giovanni Olsson confirmou a necessidade da publicidade de ganhos e vantagens dos eventos promovidos por entidades privadas. “Não estamos tratando de questões processuais, mas de ética. O ponto aqui não é o controle, mas a transparência”, disse.
Márcio Freitas disse que via com “estranheza” a resolução. Para ele, receber presentes “é um tema quase abstrato”, e receber convites para eventos é algo distante para um juiz na primeira instância.
Após anunciar o resultado da votação, Rosa suspendeu o julgamento. “O julgamento continuará com o meu voto, ou com o voto do [próximo] presidente. O tema é muito relevante.”
FREDERICO VASCONCELOS / Folhapress